quinta-feira, 5 de junho de 2008

EU SOU A LENDA

O carismático Will Smith mostra seu amadurecimento como ator e acerta cada vez mais nos projetos que escolhe.



Com: Will Smith, Alice Braga, Charlie Tahan, Salli Richardson, Willow Smith, Darrell Foster, Dash Mihok, Emma Thompson. EUA, 2007. 101min. Direção: Francis Lawrence.

Site Oficial: http://www.iamlegend.warnerbros.com/
Trailer: http://www.youtube.com/watch?v=MtdjFZMgpxo&feature=related
Cotação: 8

É muito bom saber que as pessoas amadurecem com o tempo. É bem verdade que uns levam mais tempo que outros pra ‘crescer’ e que certas pessoas nunca crescem, mas esse, felizmente, não é o caso de Will Smith. Se antes ele havia participado de besteiras tipo “MIB”, “Os Bad Boys”, “Independence Day”, entre outras farofadas, de 2004 pra cá a qualidade dos projetos que participa tem crescido vigorosamente. Vide “Eu, Robô”, que, tudo bem, não é um filmaço, mas pelo menos tem uma trama interessante que, infelizmente, foi muito mal desenvolvida; “Hitch, o conselheiro amoroso”, que é outra bobagem, mas é menos pior que muitas outras comédias românticas; “À procura da felicidade”, primeiro filme em que Smith tem a chance de atuar de verdade e é muito bom, e “Eu sou lenda”, que junto com “À procura...” é o melhor trabalho do carismático ator.

Baseado no livro de Richard Matherson, “Eu sou a lenda” foi filmado outras duas vezes antes desta versão. A primeira refilmagem se chama “Mortos que Matam”, de 1964, que tinha Vincent Price (aquele da risada macabra no fim da música Thriller, do Michael Jackson) no elenco, e a segunda, chamada “A Última Esperança da Terra”, rodada em 1971, que contava com Charlton Heston no papel principal.


Nesta versão, o longa tem início com uma entrevista dada pela Dra. Alice Krippin (numa pequena, porém ótima ponta de Emma Thompson) na qual esta afirma ter descoberto a cura do câncer. Após esta cena, somos jogados 3 anos a frente na história, e o que vemos é um cenário de desolação cheio de animais selvagens. Neste ponto somos apresentados ao personagem de Smith, o tenente-coronel (e médico) Robert Neville, que parece ser o único sobrevivente da raça humana no planeta depois de o vírus Krippin ter exterminado a maior parte da população e transformado o restante em zumbis.

Assim como Tom Hanks em ‘Náufrago’, Smith carrega o filme nas costas. E é notável o desempenho dramático que consegue alcançar. Representando uma pessoa que se apega às coisas do cotidiano e numa busca incansável pela cura do vírus para não enlouquecer, Will nos oferece uma interpretação sincera, segura e tocante. Como tentativa de não se sentir tão isolado e só, Neville assiste sempre a programas gravados em vídeo, além de conversar com manequins de lojas para simular uma realidade distante, prática que resulta num dos momentos de maior intensidade dramática do filme, quando desesperado por tanto buscar a cura sem sucesso, o personagem implora a um ser inanimado por uma resposta que nunca virá.


E é inevitável a comparação da cadela Sam, único laço de Neville com o passado, com a boa de vôlei Wilson, de ‘Náufrago’. Inteligente ao perceber isso, Smith acerta ao dar importância ao seu relacionamento com o animal. A importância dela para Neville fica óbvia na seqüência em que a cadela entra em um prédio escuro. Essa seqüência, aliás, ainda serve para nos apresentar aos vilões do filme. Resistindo à vontade de sair correndo do depósito, ele insiste na tarefa unicamente por amor a Sam, e acerta mais uma vez ao demonstrar o grande pavor que sente das criaturas ao respirar pesadamente. E em mais uma cena dramaticamente carregada, Smith chama para si a responsabilidade de nos manter presos à sua imagem enquanto é obrigado a cometer o ato mais difícil do filme para ele.

Francis Lawrence (diretor de Constantine) demonstra talento ao evitar subestimar o espectador. Como exemplo, ele poderia simplesmente ficar repetindo informações na nossa cabeça com falas que possivelmente as mastigariam para nós, o que levaria mais tempo e não acrescentaria nada à trama, mas prefere introduzi-las de forma sutil, como um folheto informativo falando de ‘cães-vampiros’ e a capa de uma revista colada na porta da geladeira. A confusão mental do protagonista pode ser vista, num outro exemplo da sutileza de Lawrence, quando, no flashback em que Neville lembra da família, vê uma mulher e uma criança na cozinha do seu apartamento.


Outro acerto da direção é apresentar os vilões de maneira lenta e paciente, demonstrando os efeitos do vírus Krippin primeiro em ratos, criando, assim, uma certa expectativa e gerando um clima de suspense sobre como aquela mutação se daria em seres humanos. Desse ponto e diante, ouvimos gritos e grunhidos das criaturas até que somos jogados na já falada seqüência do depósito, quando o diretor e o montador Wayne Wahrman criam um ambiente de tensão poderoso.

A fotografia é eficaz ao mostrar a solidão de Neville. Em cenas como a que ele joga golfe num cais enquanto a imagem mostra a imensidão da cidade e na seqüência, ainda no início do filme, em que a câmera o filma de longe entre os gigantescos prédios de Nova Iorque, nos dando a sensação de pequenez que o protagonista sente.


Uma coisa me chamou a atenção negativamente no trabalho: a maneira como a personagem de Alice Braga (Anna) é inserida na história. Com a clara e única intensão de conferir mais dramaticidade à trama, a personagem unidimensional da brasileira já entra em cena usando um recurso conhecido como "Deus Ex Machina"* para salvar Neville de uma situação difícil (impossível?), o que é frustrante numa história que caminhava de maneira tão sólida até este momento. Além disso, outra coisa que me deixou extremamente irritado foi o fato da moça dizer que nunca tinha ouvido falar de Bob Marley (!?) durante um diálogo com o personagem de Smith, que é usado como forma de aproximar os dois. Em que mundo ela vive? E não me venham dizer que há pessoas que realmente não o conhecem, porque eu sei que elas existem, mas se ela é capaz de falar inglês fluentemente, captar um sinal de rádio vindo dos EUA no Brasil, tomar um barco para os States e chegar ao cais no qual o protagonista diz que vai estar todos os dias sem a ajuda de ninguém, é, pra dizer o mínimo, ridículo que ela não conheça o ícone do Reggae.

Mas esses são furos pequeníssimos diante de todos os acertos do trabalho, cujo maior mérito é conseguir fazer com que nos identifiquemos com o personagem principal. E se o que presenciamos ao final do trabalho é o término de um ciclo que tem início com o desespero, a adaptação à solidão, a reação após o baque dos acontecimentos e, finalmente, a superação, tudo isso é coroado com o reconhecimento de que o heroísmo é muito maior que o desespero.

*Deus Ex Machina: A expressão latina Deus ex machina significa literalmente "Deus surgido da máquina". A expressão é uma tradução do grego. Sua origem encontra-se no teatro grego e refere-se a uma inesperada, artificial ou improvável personagem, artefato ou evento introduzido repentinamente em um trabalho de ficção ou drama para resolver uma situação ou desemaranhar uma trama. A expressão é usada hoje para indicar um desenvolvimento de uma história que não leva em consideração sua lógica interna e é tão inverossímil que permite ao autor terminá-la com uma situação improvável porém mais palatável. Em termos modernos, Deus ex machina também pode descrever uma pessoa ou uma coisa que de repente aparece e resolve uma dificuldade aparentemente insolúvel.


Fonte: Wikipedia.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Deus_ex_machina

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O filme pode ser encontrado em qualquer locadora.