quinta-feira, 3 de julho de 2008

AUDITION

Antes de falar do filme em si, sinto-me na obrigação de fazer uma breve introdução sobre Takashi Miike, um dos meus diretores preferidos.

Ô GÊNIO; O LOUCO
Se há uma palavra que define o diretor japonês Takashi Miike, essa palavra é bizarro. Não apenas pelos filmes que faz, mas pela velocidade com que produz. O cara chega a filmar mais de 4 filmes por ano.

Desconhecido do grande público brasileiro (agora é que seus estão começando a ser lançados aqui), Miike se formou em cinema pela escola fundada pelo mestre Shoei Imamura e tornou-se conhecido no mundo ao contar histórias um tanto inusitadas usando visões idem com uma agilidade estonteante. Também é conhecido como "Enfant Terrible Japonês" e "rei da hiperviolência e do gore", dois de seus trabalhos mais conhecidos são "Ichi The Killer" e "Audition", que são completamente diferentes, mas que concentram toda a rebeldia, inconformidade e loucura de um dos diretores mais fodas que tive o prazer de assistir nos últimos anos.

Feita a puxação de saco, vamos ao trabalho!

AUDITION

Audition é justamente a materialização para o vídeo desse “desejo de matar” das mulheres; Audition é, na verdade, um murro dado com um soco inglês cheio de pontas enferrujadas na cara da sociedade machista japonesa (e porque não mundial); uma revanche que toda mulher que já foi ou se sentiu agredida de alguma forma por um homem já deve ter pensado em realizar alguma vez na vida, mas que por causa da ética do convívio humano não pode ser posta em prática.


Com: Ryo Ishibashi, Eihi Shiina, Tetsu Sawaki, Jun Kunimura, Renji Ishibashi, Miyuki Matsuda, Toshie Negishi, Japão, 1999. 115 minutos. Direção: Takashi Miike

Trailer: http://www.youtube.com/watch?v=yhsrsWcEspc
Nota: 10

O filme começa com a morte de Ryoko, mulher de Aoyama, um produtor de cinema. Sete anos após a morte de Ryoko, Aoyama resolve se casar de novo. Com a ajuda de um amigo cineasta, resolve montar uma audição para a escolha da protagonista de um filme que na verdade é apenas um pretexto para que ele conheça o perfil de várias mulheres e escolha a ideal para se casar com ele. Imediatamente, Aoyama fica fascinado por Asami, uma bela e jovem bailarina. Apesar de não ser escalada para o filme, Aoyama liga para ela e a convida para jantar. Com medo de apressar as coisas, só volta a contactar a moça mais tarde. Asami deixa o telefone tocar; ela está sozinha num quarto escuro, mas...

No geral, Audition é um filme sobre amor, mas um filme sobre amor que se divide em três partes completamente diferentes construídas em fatias de tensão que vão aumentando em doses cavalares até chegar no clímax do trabalho, que beira o insuportável: a primeira parte, dramática e carregada emocionalmente, é narrada em ritmo lento e clima de mistério que dá oportunidade aos personagens de se desenvolverem e se estudarem; a segunda, que é uma comédia romântica um tanto desajeitada e, por isso mesmo, perfeita, e a terceira parte, que mostra os traços característicos que definem o cinema de Miike: tensão, ambientes doentios, hiperviolência e uso descarado do gore, que aliado a um jogo interessante de luzes que enfatizam os sonhos e alucinações dos personagens, é capaz de fazer até um Rambo da vida se borrar de medo.

Um dos pontos interessantes do filme é que o longa retrata Aoyama (metáfora da sociedade japonesa) como um homem bom, mas bastante machista e "superficial" no que diz respeito à estética das pessoas (mulheres em especial). Aliás, acho que a temática do filme está fincada de corpo e alma nesse argumento; no fato de a mulher ter que atender a todas as expectativas do homem e o contrário não ser aceitável. Por exemplo: quando o filho do produtor de cinema está em casa com uma menina, ele ressalta que a moça é muito bonita e faz, sem que ela perceba, um sinal de OK aprovando a escolha do rapaz por ter "escolhido bem". Outro exemplo acontece quando o filho do produtor aconselha o pai a escolher bem a sua nova esposa e dizer que “se um dia quiser casar de novo, que seja com alguém que cozinhe melhor que a Rie”. E as próprias dúvidas que rondam a mente de Aoyama sobre Asami são frutos das suspeitas que um amigo pentelho do produtor tem da moça e fica martelando em sua cabeça por não considerá-la boa o suficiente para o amigo.
Me lembro de ouvir algumas amigas minhas metendo o pau (sem trocadilhos) em seus namorados numa daquelas reuniões do clube da Luluzinha criadas especificamente para esse fim e dizendo que, às vezes, gostariam de pendurá-los pelo saco (só de pensar, dói...) num poste ou em algum lugar bem alto onde um monte de gente pudesse vê-lo indefeso e humilhado como troco por tudo que eles as fizeram passar. Pois Audition é justamente a materialização para o vídeo desse “desejo de matar” das mulheres; Audition é, na verdade, um murro dado com um soco inglês cheio de pontas enferrujadas na cara da sociedade machista japonesa (e porque não mundial); uma revanche que toda mulher que já foi ou se sentiu agredida de alguma forma por um homem já deve ter pensado em realizar alguma vez na vida, mas que por causa da ética do convívio humano não pôde ser posta em prática.

A fotografia e a montagem têm papel fundamental na ligação das partes do filme. Essa ligação funciona porque consegue fazer o espectador se interessar pelos personagens. Eihi Shiina, que interpreta o papel de Asami, consegue ser bela, absolutamente maligna e psicologicamente afetada ao mesmo tempo. Essas facetas são personificadas com perfeição pela atriz nipônica, e realmente dá medo ver aquela japonesinha de aparência frágil e linda dizendo que Aoyama (eu e todos os machos insensíveis do mundo) tem que amá-la e não amar mais ninguém no mundo além dela. Ryo Ishibashi também está seguro e soa bastante convincente na pele do solitário viúvo Aoyama. Sua cena final é arrepiante e, ao mesmo tempo, emocionante.
Infelizmente, por causa do seu conteúdo demasiadamente violento, o filme é incompreendido. Como conseqüência, o longa tem quase sempre uma leitura ambígua: demasiado violento para os espectadores de cinema em geral; demasiado intelectual para os fãs de terror, devido, principalmente, à primeira hora de filme.


Mas indiferente ao preconceito do grande público e do público “intelectual”, Audition é um clássico absoluto do cinema de terror por vários motivos, mas principalmente por causa do rigor e do talento de Miike, que jamais permite que o filme descambe para a grosseria. E é aí que reside seu talento no cinema extremo: ele sabe exatamente a maneira de transformar a violência não apenas num fetiche, mas num instrumento de exposição de idéias e críticas.
Depois de ver o filme pela primeira vez, fiquei uns 15 minutos de boca aberta chocado, impressionado e feliz da vida pelo que tinha acabado de ver.

O Miike é foda!²³ Se eu fosse mulher, casava com ele!

"Pé direito, por favor!"
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O filme ainda não foi lançado no Brasil e tem distribuição no exterior pela American Cinemathéque/ Ventura Entertainment.