quinta-feira, 3 de julho de 2008

AUDITION

Antes de falar do filme em si, sinto-me na obrigação de fazer uma breve introdução sobre Takashi Miike, um dos meus diretores preferidos.

Ô GÊNIO; O LOUCO
Se há uma palavra que define o diretor japonês Takashi Miike, essa palavra é bizarro. Não apenas pelos filmes que faz, mas pela velocidade com que produz. O cara chega a filmar mais de 4 filmes por ano.

Desconhecido do grande público brasileiro (agora é que seus estão começando a ser lançados aqui), Miike se formou em cinema pela escola fundada pelo mestre Shoei Imamura e tornou-se conhecido no mundo ao contar histórias um tanto inusitadas usando visões idem com uma agilidade estonteante. Também é conhecido como "Enfant Terrible Japonês" e "rei da hiperviolência e do gore", dois de seus trabalhos mais conhecidos são "Ichi The Killer" e "Audition", que são completamente diferentes, mas que concentram toda a rebeldia, inconformidade e loucura de um dos diretores mais fodas que tive o prazer de assistir nos últimos anos.

Feita a puxação de saco, vamos ao trabalho!

AUDITION

Audition é justamente a materialização para o vídeo desse “desejo de matar” das mulheres; Audition é, na verdade, um murro dado com um soco inglês cheio de pontas enferrujadas na cara da sociedade machista japonesa (e porque não mundial); uma revanche que toda mulher que já foi ou se sentiu agredida de alguma forma por um homem já deve ter pensado em realizar alguma vez na vida, mas que por causa da ética do convívio humano não pode ser posta em prática.


Com: Ryo Ishibashi, Eihi Shiina, Tetsu Sawaki, Jun Kunimura, Renji Ishibashi, Miyuki Matsuda, Toshie Negishi, Japão, 1999. 115 minutos. Direção: Takashi Miike

Trailer: http://www.youtube.com/watch?v=yhsrsWcEspc
Nota: 10

O filme começa com a morte de Ryoko, mulher de Aoyama, um produtor de cinema. Sete anos após a morte de Ryoko, Aoyama resolve se casar de novo. Com a ajuda de um amigo cineasta, resolve montar uma audição para a escolha da protagonista de um filme que na verdade é apenas um pretexto para que ele conheça o perfil de várias mulheres e escolha a ideal para se casar com ele. Imediatamente, Aoyama fica fascinado por Asami, uma bela e jovem bailarina. Apesar de não ser escalada para o filme, Aoyama liga para ela e a convida para jantar. Com medo de apressar as coisas, só volta a contactar a moça mais tarde. Asami deixa o telefone tocar; ela está sozinha num quarto escuro, mas...

No geral, Audition é um filme sobre amor, mas um filme sobre amor que se divide em três partes completamente diferentes construídas em fatias de tensão que vão aumentando em doses cavalares até chegar no clímax do trabalho, que beira o insuportável: a primeira parte, dramática e carregada emocionalmente, é narrada em ritmo lento e clima de mistério que dá oportunidade aos personagens de se desenvolverem e se estudarem; a segunda, que é uma comédia romântica um tanto desajeitada e, por isso mesmo, perfeita, e a terceira parte, que mostra os traços característicos que definem o cinema de Miike: tensão, ambientes doentios, hiperviolência e uso descarado do gore, que aliado a um jogo interessante de luzes que enfatizam os sonhos e alucinações dos personagens, é capaz de fazer até um Rambo da vida se borrar de medo.

Um dos pontos interessantes do filme é que o longa retrata Aoyama (metáfora da sociedade japonesa) como um homem bom, mas bastante machista e "superficial" no que diz respeito à estética das pessoas (mulheres em especial). Aliás, acho que a temática do filme está fincada de corpo e alma nesse argumento; no fato de a mulher ter que atender a todas as expectativas do homem e o contrário não ser aceitável. Por exemplo: quando o filho do produtor de cinema está em casa com uma menina, ele ressalta que a moça é muito bonita e faz, sem que ela perceba, um sinal de OK aprovando a escolha do rapaz por ter "escolhido bem". Outro exemplo acontece quando o filho do produtor aconselha o pai a escolher bem a sua nova esposa e dizer que “se um dia quiser casar de novo, que seja com alguém que cozinhe melhor que a Rie”. E as próprias dúvidas que rondam a mente de Aoyama sobre Asami são frutos das suspeitas que um amigo pentelho do produtor tem da moça e fica martelando em sua cabeça por não considerá-la boa o suficiente para o amigo.
Me lembro de ouvir algumas amigas minhas metendo o pau (sem trocadilhos) em seus namorados numa daquelas reuniões do clube da Luluzinha criadas especificamente para esse fim e dizendo que, às vezes, gostariam de pendurá-los pelo saco (só de pensar, dói...) num poste ou em algum lugar bem alto onde um monte de gente pudesse vê-lo indefeso e humilhado como troco por tudo que eles as fizeram passar. Pois Audition é justamente a materialização para o vídeo desse “desejo de matar” das mulheres; Audition é, na verdade, um murro dado com um soco inglês cheio de pontas enferrujadas na cara da sociedade machista japonesa (e porque não mundial); uma revanche que toda mulher que já foi ou se sentiu agredida de alguma forma por um homem já deve ter pensado em realizar alguma vez na vida, mas que por causa da ética do convívio humano não pôde ser posta em prática.

A fotografia e a montagem têm papel fundamental na ligação das partes do filme. Essa ligação funciona porque consegue fazer o espectador se interessar pelos personagens. Eihi Shiina, que interpreta o papel de Asami, consegue ser bela, absolutamente maligna e psicologicamente afetada ao mesmo tempo. Essas facetas são personificadas com perfeição pela atriz nipônica, e realmente dá medo ver aquela japonesinha de aparência frágil e linda dizendo que Aoyama (eu e todos os machos insensíveis do mundo) tem que amá-la e não amar mais ninguém no mundo além dela. Ryo Ishibashi também está seguro e soa bastante convincente na pele do solitário viúvo Aoyama. Sua cena final é arrepiante e, ao mesmo tempo, emocionante.
Infelizmente, por causa do seu conteúdo demasiadamente violento, o filme é incompreendido. Como conseqüência, o longa tem quase sempre uma leitura ambígua: demasiado violento para os espectadores de cinema em geral; demasiado intelectual para os fãs de terror, devido, principalmente, à primeira hora de filme.


Mas indiferente ao preconceito do grande público e do público “intelectual”, Audition é um clássico absoluto do cinema de terror por vários motivos, mas principalmente por causa do rigor e do talento de Miike, que jamais permite que o filme descambe para a grosseria. E é aí que reside seu talento no cinema extremo: ele sabe exatamente a maneira de transformar a violência não apenas num fetiche, mas num instrumento de exposição de idéias e críticas.
Depois de ver o filme pela primeira vez, fiquei uns 15 minutos de boca aberta chocado, impressionado e feliz da vida pelo que tinha acabado de ver.

O Miike é foda!²³ Se eu fosse mulher, casava com ele!

"Pé direito, por favor!"
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O filme ainda não foi lançado no Brasil e tem distribuição no exterior pela American Cinemathéque/ Ventura Entertainment.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

EU SOU A LENDA

O carismático Will Smith mostra seu amadurecimento como ator e acerta cada vez mais nos projetos que escolhe.



Com: Will Smith, Alice Braga, Charlie Tahan, Salli Richardson, Willow Smith, Darrell Foster, Dash Mihok, Emma Thompson. EUA, 2007. 101min. Direção: Francis Lawrence.

Site Oficial: http://www.iamlegend.warnerbros.com/
Trailer: http://www.youtube.com/watch?v=MtdjFZMgpxo&feature=related
Cotação: 8

É muito bom saber que as pessoas amadurecem com o tempo. É bem verdade que uns levam mais tempo que outros pra ‘crescer’ e que certas pessoas nunca crescem, mas esse, felizmente, não é o caso de Will Smith. Se antes ele havia participado de besteiras tipo “MIB”, “Os Bad Boys”, “Independence Day”, entre outras farofadas, de 2004 pra cá a qualidade dos projetos que participa tem crescido vigorosamente. Vide “Eu, Robô”, que, tudo bem, não é um filmaço, mas pelo menos tem uma trama interessante que, infelizmente, foi muito mal desenvolvida; “Hitch, o conselheiro amoroso”, que é outra bobagem, mas é menos pior que muitas outras comédias românticas; “À procura da felicidade”, primeiro filme em que Smith tem a chance de atuar de verdade e é muito bom, e “Eu sou lenda”, que junto com “À procura...” é o melhor trabalho do carismático ator.

Baseado no livro de Richard Matherson, “Eu sou a lenda” foi filmado outras duas vezes antes desta versão. A primeira refilmagem se chama “Mortos que Matam”, de 1964, que tinha Vincent Price (aquele da risada macabra no fim da música Thriller, do Michael Jackson) no elenco, e a segunda, chamada “A Última Esperança da Terra”, rodada em 1971, que contava com Charlton Heston no papel principal.


Nesta versão, o longa tem início com uma entrevista dada pela Dra. Alice Krippin (numa pequena, porém ótima ponta de Emma Thompson) na qual esta afirma ter descoberto a cura do câncer. Após esta cena, somos jogados 3 anos a frente na história, e o que vemos é um cenário de desolação cheio de animais selvagens. Neste ponto somos apresentados ao personagem de Smith, o tenente-coronel (e médico) Robert Neville, que parece ser o único sobrevivente da raça humana no planeta depois de o vírus Krippin ter exterminado a maior parte da população e transformado o restante em zumbis.

Assim como Tom Hanks em ‘Náufrago’, Smith carrega o filme nas costas. E é notável o desempenho dramático que consegue alcançar. Representando uma pessoa que se apega às coisas do cotidiano e numa busca incansável pela cura do vírus para não enlouquecer, Will nos oferece uma interpretação sincera, segura e tocante. Como tentativa de não se sentir tão isolado e só, Neville assiste sempre a programas gravados em vídeo, além de conversar com manequins de lojas para simular uma realidade distante, prática que resulta num dos momentos de maior intensidade dramática do filme, quando desesperado por tanto buscar a cura sem sucesso, o personagem implora a um ser inanimado por uma resposta que nunca virá.


E é inevitável a comparação da cadela Sam, único laço de Neville com o passado, com a boa de vôlei Wilson, de ‘Náufrago’. Inteligente ao perceber isso, Smith acerta ao dar importância ao seu relacionamento com o animal. A importância dela para Neville fica óbvia na seqüência em que a cadela entra em um prédio escuro. Essa seqüência, aliás, ainda serve para nos apresentar aos vilões do filme. Resistindo à vontade de sair correndo do depósito, ele insiste na tarefa unicamente por amor a Sam, e acerta mais uma vez ao demonstrar o grande pavor que sente das criaturas ao respirar pesadamente. E em mais uma cena dramaticamente carregada, Smith chama para si a responsabilidade de nos manter presos à sua imagem enquanto é obrigado a cometer o ato mais difícil do filme para ele.

Francis Lawrence (diretor de Constantine) demonstra talento ao evitar subestimar o espectador. Como exemplo, ele poderia simplesmente ficar repetindo informações na nossa cabeça com falas que possivelmente as mastigariam para nós, o que levaria mais tempo e não acrescentaria nada à trama, mas prefere introduzi-las de forma sutil, como um folheto informativo falando de ‘cães-vampiros’ e a capa de uma revista colada na porta da geladeira. A confusão mental do protagonista pode ser vista, num outro exemplo da sutileza de Lawrence, quando, no flashback em que Neville lembra da família, vê uma mulher e uma criança na cozinha do seu apartamento.


Outro acerto da direção é apresentar os vilões de maneira lenta e paciente, demonstrando os efeitos do vírus Krippin primeiro em ratos, criando, assim, uma certa expectativa e gerando um clima de suspense sobre como aquela mutação se daria em seres humanos. Desse ponto e diante, ouvimos gritos e grunhidos das criaturas até que somos jogados na já falada seqüência do depósito, quando o diretor e o montador Wayne Wahrman criam um ambiente de tensão poderoso.

A fotografia é eficaz ao mostrar a solidão de Neville. Em cenas como a que ele joga golfe num cais enquanto a imagem mostra a imensidão da cidade e na seqüência, ainda no início do filme, em que a câmera o filma de longe entre os gigantescos prédios de Nova Iorque, nos dando a sensação de pequenez que o protagonista sente.


Uma coisa me chamou a atenção negativamente no trabalho: a maneira como a personagem de Alice Braga (Anna) é inserida na história. Com a clara e única intensão de conferir mais dramaticidade à trama, a personagem unidimensional da brasileira já entra em cena usando um recurso conhecido como "Deus Ex Machina"* para salvar Neville de uma situação difícil (impossível?), o que é frustrante numa história que caminhava de maneira tão sólida até este momento. Além disso, outra coisa que me deixou extremamente irritado foi o fato da moça dizer que nunca tinha ouvido falar de Bob Marley (!?) durante um diálogo com o personagem de Smith, que é usado como forma de aproximar os dois. Em que mundo ela vive? E não me venham dizer que há pessoas que realmente não o conhecem, porque eu sei que elas existem, mas se ela é capaz de falar inglês fluentemente, captar um sinal de rádio vindo dos EUA no Brasil, tomar um barco para os States e chegar ao cais no qual o protagonista diz que vai estar todos os dias sem a ajuda de ninguém, é, pra dizer o mínimo, ridículo que ela não conheça o ícone do Reggae.

Mas esses são furos pequeníssimos diante de todos os acertos do trabalho, cujo maior mérito é conseguir fazer com que nos identifiquemos com o personagem principal. E se o que presenciamos ao final do trabalho é o término de um ciclo que tem início com o desespero, a adaptação à solidão, a reação após o baque dos acontecimentos e, finalmente, a superação, tudo isso é coroado com o reconhecimento de que o heroísmo é muito maior que o desespero.

*Deus Ex Machina: A expressão latina Deus ex machina significa literalmente "Deus surgido da máquina". A expressão é uma tradução do grego. Sua origem encontra-se no teatro grego e refere-se a uma inesperada, artificial ou improvável personagem, artefato ou evento introduzido repentinamente em um trabalho de ficção ou drama para resolver uma situação ou desemaranhar uma trama. A expressão é usada hoje para indicar um desenvolvimento de uma história que não leva em consideração sua lógica interna e é tão inverossímil que permite ao autor terminá-la com uma situação improvável porém mais palatável. Em termos modernos, Deus ex machina também pode descrever uma pessoa ou uma coisa que de repente aparece e resolve uma dificuldade aparentemente insolúvel.


Fonte: Wikipedia.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Deus_ex_machina

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O filme pode ser encontrado em qualquer locadora.

sábado, 24 de maio de 2008

SYMPATHY FOR LADY VENGEANCE

Park Chan-Wook encerra sua trilogia da maneira mais sóbria, cruel e competente possível.


Com: Lee Yeong-ae, Choi Min-sik, Oh Dal-su, Lee Seung-Shin, Kim Byeong-ok. “Chinjeolhan geumjassi” Coréia do Sul, 2005. 112 mins. Direção: Park Chan-wook. Distribuidora: CJ Entertainment/Tartan Films.

Site oficial: http://www.geum-ja.co.kr/
Trailer: http://www.youtube.com/watch?v=tUFaDj3mBCI
Cotação: 9

Quando a fama da trilogia da vingança de Chan-Wook Park ganhou dimensões internacionais com Oldboy, os cinéfilos que viraram fãs do diretor sul-coreano começaram a se perguntar o que poderia vir depois do sensacional filme anterior. A expectativa em torno do capítulo final da trilogia era altíssima, uma vez que o seu antecessor fora um sucesso estrondoso. E Park não decepcionou: fez outro filme magnífico.
Diferentemente de Mr. Vengeance, em que os personagens eram reféns de situações complexas e de Oldboy, que tem um protagonista sem moral nenhuma e que não tem controle sobre a vingança, Lee Geum-ja, a Lady Vengeance, é como o Chapolim: tem tudo friamente calculado para completar a sua revanche. Tão calculado que faz de Lady um filme “reto”, sem reviravoltas, que conta a busca por vendetta de Lee Geum-Ja, que passa 13 anos na cadeia depois de assumir a culpa num crime que não cometeu, e vê sua filha ser levada embora pelo seu ex-namorado e verdadeiro responsável por tudo: o Sr. Baek (Choi Min-sik).
Dos três longas, Lady Vengeance é o que traz o dilema moral mais explícito e o que mais usa flashbacks. Eles nos levam para a época em que Geum-ja estava presa e nos fazem entender por que ela é chamada de 'anjo' pelas outras detentas, além de nos fazer conhecer a história das personagens com quem se envolveu durante a prisão (e aqui merece destaque a detestável caminhoneira que espanca as companheiras de cela e... bem, vejam o filme e 'degustem' a cena do banheiro. Hehehehe).
E não ouse pensar que pelo fato da personagem principal ser mulher a vingança será mais leve. Muito pelo contrário: este é o filme em que o sadismo se mostra de forma mais clara. O culpado não pode apenas morrer, tem que sofrer, e sofrer como um cão. Mas apesar do culpado ter de sofrer, o filme não é tão violento quanto Mr. Vengeance e Oldboy, o que provavelmente vai frustar aqueles que esperam marteladas e rins de traficantes arrancados. Mas nada de pânico. O filme tem seus momentos “Ichi The Killer”, como o que Geum-Ja dá um tiro na mão de um bandido e arranca a mão do cara.
Considero Lady Venceance um pouco (pouquinho mesmo) menos forte que os dois filmes anteriores, e o motivo pra isso é o fato do roteiro não ser tão trabalhado quanto os outros. Aqui tudo corre como o previsto (mas não para o óbvio), e o que o roteiro fica devendo em relação aos outros longas, a parte técnica supre. Esteticamente, este é um dos trabalhos mais bem filmados e produzidos de Park, batendo de frente com “I'm a Cyborg, But That's OK”, que foi exibido aqui ano passado no Festival do Rio. O filme tem uma fotografia deslumbrante, uma trilha sonora linda e uma montagem, cortes, enquadramentos e direção de arte perfeitos. Enfim, um deleite para os sentidos.
A veia cômica do diretor está presente, como nos outros filmes da trilogia. Merece destaque a cena em que Geum-Ja vai à casa do casal que adotou sua filha, que é hilária. Há diálogos em inglês no longa, o que muitos apontaram, na época, como uma tentativa de aproximação de Park com o cinema ocidental. Talvez sim, talvez não.Lee Yeong-ae (que também pode ser vista em JSA) está perfeita na pele da ex-presidiária Geum-Ja, mas gostaria que o Choi Min-sik, que sempre é perfeito, tivesse uma participação maior no trabalho, pois quem já o viu em outros longas sabe do que o cara é capaz.
Perverso, o filme nos leva a uma das cenas mais comentadas da trilogia: a reunião de pais que acontece no fim do filme, que é de uma maldade simplesmente bizarra. É nessa reunião que Park cutuca a nossa moral, pois Geum-Ja tem milhões de motivos para se vingar, mas ainda assim pondera sobre o que fazer. E é aqui que o diretor nos faz uma série de perguntas, como o que é justiça? Ela vale a pena se nos condenarmos? Será que o processo democrático é realmente a melhor saída em determinadas situações?
E com a responsabilidade de fechar uma trilogia bem-sucedida, Lady Vengeance traz um epílogo mais do que necessário, no qual mostra um indivíduo em uma busca infinita por redenção que pede ao espectador que permaneça íntegro, ainda que o que você tenha presenciado no filme seja o oposto. Talvez essa redenção de que o filme nos fala seja a tão esperada paz buscada não só por Lee Geum-Ja, mas por todos os personagens que foram mostrados de forma tão lúcida e cruel por Park na sua trilogia.

Imperdível como os seus antecessores, Sympathy for Lady Vengeance é um filme obrigatório para qualquer fã de cinema que se preze.

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O longa tem distribuição no Brasil feita pela Europa Filmes e pode ser encontrado em qualquer locadora.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

OLD BOY

O longa de Park Chan-Wook te acompanha depois de sair da sala do cinema e fica impregnado em você por dias, semanas, meses.


Com: Min-Sik Choi, Ji-tae Yu, Hye-jeong Kang, Dae-han Ji, Dal-su Oh. "Old boy" 119 mins. Coréia do Sul, 2003. Direção: Chan-wook Park.

Trailer no Youtube: http://br.youtube.com/watch?v=YLn1y9v6yno
Site Oficial: http://www.oldboy2003.co.kr/
Cotação: 10

De vez em quando, aparecem certos filmes que mexem com o espectador, que tomam a atenção de quem estiver assistindo e ficam na cabeça por dias, semanas, meses. Oldboy, do diretor sul-coreano Chan-Wook Park, é um desses filmes. Baseado no homônimo mangá (quadrinho) japonês de Tsuchyia Garon e Minegishi Nobuaka lançado em 1997, Oldboy é o segundo capítulo de uma trilogia de histórias sobre vingança que Park começou a filmar em 2002, com o espetacular Sympathy for Mr. Vengeance, e que terminou em 2005 com o excelente Sympathy for Lady Vengeance.

O argumento de Oldboy (que bebe da fonte Kafkiana) conta a infeliz história de Oh Dae-Su, vivido brilhantemente por Min-Sik Choi, homem comum que é detido sem saber que crime cometeu e passa os 15 anos seguintes preso no que parece ser um quarto de hotel. Sem ver nenhuma criatura viva durante o tempo em que fica preso, seu único contato com o mundo exterior é através de uma televisão (a montagem da passagem dos anos é sensacional), pela qual acompanha as mudanças no mundo e fica sabendo que sua mulher foi assassinada, sendo ele o principal suspeito. Aliás, o filme toca no assunto da formação da personalidade das pessoas pela televisão de forma sutil, mas eficiente. A TV, segundo Dae-su, funciona como calendário, amigo, escola, relógio, igreja e... amante.


Sem poder fugir nem dar fim ao seu sofrimento, já que toda vez que tenta se matar alguém o impede, começa a enlouquecer, e a única saída que lhe resta é viver somente para encontrar e destruir o seu raptor. À medida que o tempo passa (e com a ajuda da TV), Oh Dae-Su aprende artes marciais e pratica esmurrando um desenho feito numa das paredes da prisão. Prestem atenção nos calos nas mãos do protagonista, detalhe que o filme não esquece.


E da mesma forma que foi preso, Dae-Su é libertado. E solto, quer reexperimentar a vida, momento que culmina numa das cenas mais tocantes do longa, quando Dae-su, após o longo confinamento e reduzido praticamente a um animal que só pensa em vingança, quer tocar e sentir o toque e o cheiro de outro ser humano.


Desse ponto em diante, o roteiro, poderosamente bem escrito, se dedica a estudar os efeitos e conseqüências que um longo isolamento pode provocar numa pessoa. Um celular e uma carteira cheia de dinheiro lhe são dados, e ele resolve pôr em prática o treinamento imaginário a que se submeteu por 15 anos. Sem ter para onde ir, se dirige a um restaurante japonês e o telefone toca. Alguém lhe diz que ele tem apenas cinco dias para descobrir quem o aprisionou e por quê. Com a ajuda da sushiwoman Mido, Oh Dae-Su parte em busca das respostas que procura. A partir daí, são fornecidos novos dados que vão desenrolando o quebra-cabeças, e o que era uma trama de suspense e ação se transforma numa tragédia grega que só vendo o filme para ter idéia.

Se o castigo imposto ao nosso anti-herói soa extremamente cruel à primeira vista, quando a dimensão da tragédia pessoal dos personagens vem à tona e as razões que a motivaram a vingança são devidamente explicadas, passamos, se não a aceitar a vingança, pelo menos a entendê-la, pois TODOS os personagens são humanos. E ao humanizar os personagens, Park joga em cima do espectador a tarefa de achar culpados e inocentes, provocando em nós o sentimento ambíguo de torcer pelo protagonista sem, necessariamente, odiar o antagonista. Com uma fotografia extremamente bem cuidada e escura que dá ao longa um tom quase noir, o filme coleciona cenas impressionantes. Uma delas é a seqüência de luta na qual Dae-su enfrenta sozinho cerca de 20 capangas no corredor de um prédio com um martelo. Filmada sem cortes, ela tem pouco mais de três minutos e parece real e cansativa como poucas. Como a câmera se movimenta apenas lateralmente, temos a sensação de estarmos diante de um jogo em 2D como Final Fight. Simplesmente sensacional. Outra cena muito comentada é a que Oh Dae-Su come um polvo vivo. A trilha sonora, assim como em Kubrick, é elemento importantíssimo como complemento da violência que explode ao som da mais bela música clássica, valsa e música eletrônica.

Falando em violência, a crítica especializada costuma dizer que o filme é ultraviolento. Eu concordo e discordo ao mesmo tempo. É claro que existe violência no filme, mas nada exagerado (ver Ichi the Killer e seus vários jatos de sangue arterial) como andam falando. Enquanto em filmes como Sin City e O Resgate do Soldado Ryan, por exemplo, a violência física é explícita e voam braços e cabeças, em Oldboy ela é muito mais sugerida, mostrando o início do ato e em seguida suas conseqüências. A real e gigantesca violência do longa (quem viu o filme e tem um mínimo de sensibilidade sabe do que estou falando) vem de outro lugar, mas dizer de onde é entregar o filme.
Com a direção extremamente segura e competente de Park, somos levados para dentro de uma trama de vingança eletrizante, original e diabolicamente bem bolada (quando a supresa final foi revelada, o que mais se ouvia no cinema era c¨&¨$#aralho!!! e PQP!!). As atuações de Hye-jeong Kang, Yu Ji-Tae são excelentes, mas quem rouba a cena é Choi Min-sik, que impressiona pela forma como se entrega ao personagem transmitindo raiva, dor e desespero de forma sincera, e cuja interpretação apenas nos 20 primeiros minutos do longa faria muitos "oscarizados" de Hollywood ficarem vermelhos de vergonha.


Vencedor do prêmio do júri no festival de Cannes de 2004, Oldboy é cinema com “C” maiúsculo. Visceral, pesado e perturbador, o filme, que trata de forma brilhante e original temas como a vingança e suas conseqüências e como palavras aparentemente inofensivas podem afetar de maneira brutal a vida alheia, é, no fim das contas, uma intensa história de amor. E nunca um "eu te amo" soou tão doloroso quanto neste filme.

Finalmente, você pode até não gostar do longa (o que acho MUITO difícil) por não ser uma obra fácil de se assistir e por ele conseguir a proeza que poucos filmes têm feito de uns anos pra cá: fazer o espectador pensar (ainda que ele não esteja disposto a isso), mas indiferença é um sentimento que, com certeza, não vai sequer passar pela sua cabeça depois de terminada a exibição, pois é impossível sair ileso de um filme como esse. Então fica o conselho: se você só gosta de histórias alegres e saltitantes, nem chegue perto da sala que estiver exibindo Oldboy.
Até que ponto você iria para se vingar de alguém? Pois com certeza não chegou nem perto da vingança apresentada nesse filme.
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O longa tem distribuição no Brasil feita pela Europa Filmes e pode ser encontrado em qualquer locadora.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

SYMPATHY FOR MR. VENGEANCE

O primeiro capítulo da trilogia da vingança de Park Chan-Wook é o mais cru, trágico e brutal da série, além de ser um soco no estômago e um exemplo poderoso de como a ética é uma coisa relativa e de como a violência gera mais violência.

Com: Kang-Ho Sang, Ha-kyun Shin, Du-na Bae, Ji-Eun Lim. "Boksuneun naui geot" 129 mins. Coréia do Sul, 2002. Direção: Chan-wook Park.
Cotação: 10

O filme tem como um dos personagens principais Ryu (Shin), um jovem surdo e mudo que precisa urgentemente de dinheiro para que sua irmã (Lim) possa fazer um transplante de rim. Depois de ser demitido da fábrica onde trabalha, ele decide pagar para que traficantes de órgãos retirem um de seus rins na intenção de doá-lo à sua irmã, mas é enganado pela quadrilha. Sem emprego e sem dinheiro, Ryu é convencido pela namorada Yeong-mi (Bae) a seqüestrar a filha do seu ex-chefe, o Sr. Park Dong-jin (Song), para conseguir o dinheiro do transplante. O rapto corre como o planejado, mas uma fatalidade vai mudar para sempre a vida das pessoas envolvidas na situação.
Pela sinopse, esse parece ser apenas mais um longa sobre vingança. Só parece, porque assim como Oldboy, Mr. Vengeance não é um filme sobre vingança como os que estamos acostumados a ver por aí; não é um trabalho com personagens caricatos e superficiais como o herói lindo e forte que espanca todo mundo, faz gracinhas e dá lições de moral, a mocinha que só pensa em compras, festas, gatinhos e popularidade. Também não há tiros e explosões a cada 5 minutos nem milhões gastos em efeitos especias; tampouco há piadas sem sal que tentam desesperadamente agradar o público. Não, definitivamente não. Aqui o humor é ácido, a violência não se justifica por si só, o roteiro é muito bem escrito e o mais importante: em meio à busca incessante (e violenta) por vingança que ocorre no trabalho, há espaço para entendermos com mais profundidade a complexidade dos personagens. Um exemplo disso é a forma como a filha do chefe de Ryu se apega aos seqüestradores de modo quase familiar devido à falta de tempo e atenção dos pais.

Uma coisa que me chamou a atenção na película foi a maneira como Park retratou as ações e reações dos personagens. Se em Oldboy eles são movidos por tragédias e fantasmas do passado, em Sympathy eles agem de acordo com a situação em que se encontram. Como na vida, certo e errado são relativos e as decisões tomadas pelos personagens podem até não parecer corretas para o espectador, mas duvido que você não cogitaria as possibilidades apresentadas no longa se estivesse na mesma situação.

Outro ponto alto da projeção é a trilha sonora (ou a falta dela). Como o personagem principal é surdo/mudo, Chan-Wook optou por quase não fazer uso de música no longa, chegando a homenagear o cinema mudo em algumas partes, quando os personagens se comunicam através da linguagem de sinais e a legenda branca aparece no fundo preto. Acertou em cheio. A ausência de música no filme, que tem apenas uma introdução de piano no início e uma música macabra no meio e no final da projeção, provoca longos silêncios que deixam o espectador angustiado em vários momentos. A fotografia está sempre variando em valorizar o 1º plano, embaçando o fundo, e vice-versa.
A película tem um bom ritmo, chegando a fazer com que o espectador queira que o longa seja mais lento algumas vezes para evitar o desfecho, que, como em Olboy, faz pensar. O elenco é bom e está seguro nas atuações, sendo difícil destacar apenas um nome. Song Kang-ho, que interpreta o Sr. Park Dong-jin, e também pode ser visto nos ótimos The Host (junto com Bae Du-na), JSA e Memories of Murder, é um dos ícones do atual cinema coreano. Shin Ha-gyun, que atuou no sensacional "Save the Green Planet", está muito bem como o surdo/mudo Ryu; e a bela Bae Du-na, que faz Yeong-mi, namorada de Ryu, não fica atrás de seus companheiros, protagonizando com Song Kang-ho a cena de tortura mais angustiante do longa.
Pesado, Sympathy não faz questão de agradar o espectador, tendo a coragem de mandá-lo para fora do cinema com uma enorme sensação de esgotamento e frustração pelo destino dos personagens (particularmente, fiquei um lixo depois do filme). Aqui a violência não é gratuita, não há heróis e vilões e os personagens têm motivos mais que relevantes para cometerem os atos que cometem. Aqui, todos têm virtudes e defeitos e são, acima de tudo, HUMANOS como todos nós. Aliás, humanidade é uma palavra que será bastante usada para falar dos filmes da trilogia da vingança de Park.
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O longa tem distribuição no Brasil pela Europa Filmes e pode ser encontrado em qualquer locadora.

sexta-feira, 28 de março de 2008

Onde Os Fracos (Velhos) Não Têm Vez

Pequena obra-prima sobre o sentido (ou da falta de sentido) da violência, o longa é preparado para frustrar o espectador da primeira a última cena. Mas ao contrário do que muitos pensarão, essa frustração é a melhor e a mais plausível possível.

Estrelando: Josh Brolin, Javier Bardem, Tommy Lee Jones, Woody Harrelson, Kelly MacDonald. Distribuidora: Paramount Classics/Europa Filmes. “No Country For Old Men” EUA, 2007. 122min. Direção: Ethan e Joel Coen.
Cotação: 10

Se há uma coisa melhor que ver um bom filme, é ver a reação das pessoas após o término de um trabalho. Acho fundamental numa obra que ela cause reflexão, debates, caso contrário, ela fica sem sentido. Goste ou odeie, acho fundamental essa reação. A manifestação de indiferença soa como se a pessoa simplesmente não tivesse visto (lido, provado, sentido) a obra e, conseqüentemente, é como se ela não existisse para essa pessoa, o que é uma pena, pois por causa do final de onde “Os Fracos Não Têm Vez”, que muitos dizem ser aberto a interpretações, mas que pra mim não tem nada de aberto, sendo absolutamente bem amarrado, satisfatório e claro na mensagem que pretende passar, além de ser perfeito por tudo o que é mostrado no longa, as pessoas ou tendem a ficar indiferentes ou a detestar o filme por serem frustradas por uma conclusão que não atende às expectativas Hollywoodianas às quais a maioria de nós está acostumada: bandido ruim tem que morrer ou ir preso e o mocinho bonzinho tem que viver e ser feliz para sempre com a mocinha, caso contrário, o filme não é completo. Sendo assim, entendo a indiferença e a frustração da maioria.

Mas discordo dela, pois o filme é uma pequena obra-prima sobre a violência e o seu sentido (ou falta de). Quem conhece o trabalho dos irmãos Coen (responsáveis por filmes como Gosto de Sangue, Arizona Nunca Mais, Ajuste Final e Fargo) sabe que a história em seus filmes não costuma ser o tema principal, e sim os personagens. Assim sendo, o longa se resume à fuga de um texano comum chamado Llewelyn Moss (Josh Brolin) da caçada de um assassino psicopata chamado Anton Chigurh, vivido brilhantemente por Javier Bardem (de Mar Adentro), após aquele encontrar uma maleta com 2 milhões de dólares perto de uma picape cheia de cadáveres. Ao mesmo tempo, o xerife Ed Tom Bell (Tomy Lee Jones) tenta encontrar Moss antes que Chigurh o mate, ficando impressionado com a carnificina promovida pelo assassino.

A sinopse não é das mais originais, não acha?, mas os personagens, quanta diferença... Eles são completamente despidos em nossa frente graças aos diálogos extremamente fluidos e inteligentes que permeiam o roteiro. Eles foram praticamente todos preservados do livro de Cormac McCarthy, no qual o longa é baseado. Um ponto positivo disso é que as conversas não fazem distinção entre personagens principais e secundários. E há vários exemplos de ótimos diálogos. Esse é um deles:

Carlson:
- Você tem idéia do quanto é louco?

Chigurh:
- Você se refere à natureza dessa conversa?

Carlson:
- Não, me refiro à natureza da sua pessoa.

Outro exemplo pode ser citado na cena em que perguntam ao personagem de Josh Brolin o que ele fez com o dinheiro, no que este responde: “Gastei 1,5 milhão com prostitutas e uísque. O resto eu desperdicei”. É impressão minha ou só eu percebi um texto de um episódio do Chapolin aí?


Ultimamente tenho visto muitos filmes sem trilha sonora, e “Onde os Fracos não Têm Vez” é mais um deles. Assim como em “4 meses, 3 semanas e 2 dias” e “Sympathy For Mr. Vengeance”, a ausência de trilha sonora funciona muito bem, extraindo apenas (e de forma brilhante, diga-se de passagem) o som ambiente como o ranger do assoalho, a respiração ofegante, etc. A fotografia escura dá ao filme um tom noir, que combinado à uma estética western funciona incrivelmente bem.


E não há de se falar propriamente em bem ou mal, pois estes são relativos e mudam conforme muitas variantes, mas como é comum rotular tudo, dirão por aí para polarizar o “bem”, que este é representado por Tomy Lee Jones na pele do xerife Ed Tom Bell, que não entende como pode haver pessoas como o psicótico assassino e lamenta que os tempos em que os mais velhos eram respeitados e que os xerifes não precisavam de armas para combater o crime tenham passado e dado lugar ao caos atual. Dessa forma, o personagem do brilhante Javier Bardem, o lunático Anton Chigurh, surge como o mal e como contraponto do xerife, além de ser uma metáfora bastante convincente da violência, do constante processo de desumanização que vivemos e da banalidade da violência presente em todo o mundo: Chigurh não precisa de nenhum motivo para matar, basta que alguém atravesse seu caminho e, às vezes, conte com uma ajudinha da sorte num jogo e cara ou coroa. E o próprio Anton está sujeito ao caos geral, como podemos ver no fim do trabalho. Em cima do muro está o personagem de Josh Brolin, Llewelyn Moss, que apesar de não ser exatamente não ser o que se pode de bom samaritano e exemplo de honestidade, é condenado a ser perseguido justamente por ser “fraco” e praticar um ato de humanidade.

Bardem está nada menos que fenomenal na pele de Chigurh, um monstro que não mostra nenhuma piedade ou arrependimento pelas vidas que tira. O corte de cabelo dele, que pode parecer uma coisa banal, mas que é algo importante para a caracterização do personagem, confere a ele um ar ainda mais assustador. Experiente como é, Javier é inteligente ao não caricaturar o personagem. Apesar de ser uma máquina de matar, Anton não chama atenção e não fala aos berros, sempre controlando sua voz, mesmo quando está irritado com alguma situação ou coisa. Tomy Lee Jones também está fabuloso como o pessimista xerife Ed Tom Bell, que justamente por saber que não conseguirá mudar o mundo nem acompanhar o ritmo de decadência da sociedade moderna, tendo que conviver com o caos existente nele, nos causa identificação justamente pelo fato se sentir (e nos fazer sentir) impotente perante toda a situação de brutalidade que vê enquanto busca proteger Moss. E esse fato se comprova quando um personagem diz ao xerife que ele não pode impedir o que está por vir.

No título “Onde os Fracos (velhos) Não Têm Vez”, os fracos são justamente todos aqueles que negam o embrutecimento, mantêm os seus princípios e recusam a desumanização. Se você já se sentiu ou se sente parte desse grupo, seja bem-vindo ao clube dos que ainda acreditam num futuro melhor, apesar dos pesares. E se um dia você tiver um sonho no qual uma luz quente e reconfortante aparece no meio da noite fria e escura, não se deixe abater por estas três simples palavras: “E aí acordei”.

PS: Anton Chigur é um assassino muito foda, mas pra chegar a Kakihara (ver "Ichi, o Assassino") ainda tem que comer muito arroz com feijão. :0D

segunda-feira, 3 de março de 2008

My Sassy Girl

O filme de Kwak Jae-yong é um vendaval de originalidade que varre um gênero dominado pela imbecilidade.


Com: Jeon Ji-hyeon, Cha Tae-hyeon, Yang Geum-yong, Song Ok-sook, Han Jin-hee, Kim In-moon, Kim Il-woo. Diretor: Kwak Jae-yong Coréia do Sul, 2001 Cor – 137 min./122 min.

Trailer: http://www.youtube.com/watch?v=mZQCHWOM9bw
Cotação: 9.0


Não sei se é só comigo que isso acontece, mas sempre que vejo (aliás, desde a primeira vez que vi) “My Sassy Girl” lembro da música da Legião Urbana ‘Eduardo e Mônica’, pois são muitas as semelhanças. É ela quem manda na relação e toma a iniciativa em tudo, ficando ele sujeito às suas vontades e variações de humor se não quiser “morrer”. E as vontades dela (que não tem o nome dito uma vez no filme, sendo feita apenas uma suposição de que o seu nome seria Jung-jo) vão das coisas mais simples, como receber uma rosa na sala lotada de um liceu, às mais bizarras, como exigir que ele troque de sapatos com ela, usando o seu salto-alto e nenhum outro tipo de calçado mais.

O pobre rapaz que suporta todas as loucuras dela se chama Gyeon-woo. Ele é o narrador da história que começa com ele voltando ao lugar onde dois anos atrás enterraram uma cápsula do tempo e combinaram de se encontrar. Na cidade, dois anos antes, o jovem estudante se depara com uma moça caindo de bêbada no metrô e após uma série de acontecimentos, os dois começam a passar mais tempo juntos se tornando uma espécie de casal. De início, Gyeon-woo quer apenas curar a dor que vê nela e livrá-la das lembranças de um doloroso passado, mas logo as coisas mudam.


Ao contrário do que a sinopse pode sugerir, “My Sassy Girl” é uma comédia, e das boas. Sucesso de bilheteria na Coréia do Sul (país natal do trabalho) à época do seu lançamento (2001), só perdendo em bilheteria para o filme ‘Chingu’, o longa é um OVNI no meio de tantas comédias imbecis feitas mundo afora todos os anos e um exemplo de que com diálogos inteligentes, um pouco de boa vontade, bons atores e direção, é, sim, possível fazer com que uma premissa que soa ‘rasa’ se transforme numa história interessante capaz de prender até uma pessoa que não é fã do gênero, como eu.

O filme é dividido em três atos: os dois primeiros, que se concentram no começo da relação dos dois, os detalhes dela e na construção dos personagens, além de servirem também como os recipientes em que a comédia se desenvolve, e o prolongamento, do qual falarei mais adiante.


Respirando naturalmente, um dos grandes méritos do filme é não presumir que o espectador seja um completo idiota. Sem estabelecer vínculos que o prendam ao gosto médio do público que não exige nem de si nem do filme, ‘My Sasy Girl’ frustra os espectadores preguiçosos ao evitar os clichês tão comuns do gênero. Aliás, errei a palavra. Evitar, não, tratar bem os clichês. Outro mérito do longa é saber lidar com eles, pois a maioria está ali: um casal que se conhece em circunstâncias, digamos... diferentes, brigam, se reconciliam... E ainda que pareça uma ironia essa seqüência de clichês, o filme foi baseado numa história real escrita por Kim Ho-sik, em que este relatava num blog as aventuras e desventuras ocorridas com uma mulher com quem tinha mantido uma relação.

O grande diferencial do trabalho reside no modo como tudo é feito, que é bem original. A maneira como certas situações são tratadas são realmente muito inteligentes. A cena em que surge um ‘clima’ entre os protagonistas, por exemplo, poderia facilmente cair no óbvio, mas o roteiro não permite. Além disso, o humor (certas vezes non sense) é muito bem empregado. A cena em que ‘ela’ e Gyeon-woo estão no metrô e fazem uma aposta é hilária. As seqüências com o pai ‘dela’ são ótimas também (vide a referência ao episódio do Chapolin no qual o pirata Alma Negra bebe o sonífero. Hehehe).

As histórias que ‘ela’ escreve, sempre com uma heroína que vem do futuro, além de engraçadas, recheiam o filme e não deixam que ele se torne monótono ou perca o ritmo. Aliás, é impressionante que um filme de 2 horas e 20 minutos, um caso raríssimo para a comédia, nos mantenha presos e curiosos para saber o desfecho por tanto tempo. Um detalhe interessante é que como na Coréia o sistema de produção e exibição força a maioria dos filmes a ficar na casa dos 120 minutos, o filme foi cortado em cerca de 17, 18 minutos na sua versão de cinema, mas há a versão do diretor, que traz os minutos restantes inclusos.

Grande parte do mérito pelo sucesso da obra está nos dois atores principais: a bela Jeon Ji-hyeon, que também pode ser vista em Il Mare (cujo remake é "A Casa do Lago") , e Cha Tae-hyeon, que carregam o filme praticamente sozinhos. A primeira interpreta de forma competente e divertida uma pessoa completamente instável e descontrolada, que num momento está bem e no seguinte está explodindo de raiva querendo matar o pobre Gyeon-woo. O segundo se sai muito bem como o bom rapaz sem rumo na vida que suporta as muitas mudanças de humor dela e se propõe a praticar esportes que não domina (“por que a bola sempre atinge a minha cara?”), escalar uma montanha apenas para tê-la por perto, entre outras coisas. O monte de caras e bocas dos dois me lembraram o Jim Carrey, mas nada muito exagerado.

Tão bom é o trabalho deles que após os dois primeiros atos estamos realmente preocupados e angustiados com o desfecho que vai se insinuando. E não tente comparar ‘My Sassy Girl’ com qualquer outra comédia que você á tenha visto. Aqui não há espaço para sentimentalismo barato nem lições de moral. Funcionando como antítese dos dois primeiros atos, nos quais o riso rola solto, o prolongamento é puramente emocional e dramático, sem situações forçadas para estimular o riso e o choro.

A trilha sonora se encaixa de uma maneira exemplar com o filme, que tem como tema principal a música ‘Cannon e ré menor’, do compositor Johan Pachelbel e “My Girl”, de Smokey Robinson e Ronald White, do grupo “The Temptation”.


Para aqueles que acreditam, o filme propõe ainda uma discussão interessante: com tantos encontros e desencontros os dois personagens não estariam destinados um para o outro? O destino realmente existe? Somos donos do nosso destino ou ele é que nos tem?

Seja qual for a sua resposta para essas perguntas, prepare-se rir (e chorar, se você for mais sensível) bastante com esse filme que, sem nenhum medo de exagerar, considero a melhor comédia romântica já feita. Quem sabe vendo o filme com amigos você não conheça uma “pessoa do futuro”...

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O filme não tem distribuição no Brasil, mas (pra variar) vai ganhar um remake americano que será dirigido por Yann Samuel e terá no elenco a linda Elisha Cuthbert (de "Um Show de Vizinha") e Jesse Bradford (de "A Conquista da Honra"). Alguém aí quer apostar que o remake não vai chegar aos pés do original?

domingo, 27 de janeiro de 2008

HERÓI.

Poesia em estado puro, o filme de Zhang Yimou é um desbunde não só para os sentidos, mas para o coração.



Com: Jet Li Lianjie, Tony Leung Chiu-wai, Maggie Cheung Man-yuk, Zhang Ziyi, Chen Daoming, Donnie Yen Ji-dan, Liu Zhongyuan, Zheng Tianyong, Qin Yan, Chang Xiaoyang. Diretor: Zhang Yimou China, 2002 – 98 min.

Trailer:

http://www.youtube.com/watch?v=xehvuJy26IA&feature=related

Cotação: 10

Herói é o primeiro filme épico feito pelo diretor chinês Zhang Yimou e uma poesia cinematográfica de uma hora e quarenta minutos. Poucas vezes me senti tão fascinado e satisfeito após sair de uma sala de cinema. Chega a ser difícil falar sobre herói porque o filme é, sem exageros, PERFEITO.

Partindo de uma premissa simples que tem como influência direta o filme Rashomon, do mestre Akira Kurosawa, Herói conta várias versões de uma mesma história. Na China antiga, no período dos Estados Guerreiros (475-221 A.C.) e antes do surgimento do primeiro imperador, a nação se dividia em sete reinos. O rei de Qin, o mais forte dos reinos, quer unificar os sete territórios, e por isso sofre constantes tentativas de assassinato. O que mais o preocupa são três assassinos de elite contratados pelos opositores de Qin. Um dia, um dos xerifes do seu reino entra em seu castelo e afirma ter derrotado sozinho os três assassinos mais temidos nos reinos. Como prova, ele traz as armas dos adversários derrotados.

Como filme de gênero do tipo Wuxia Pian (filmes de espadachins chineses), o longa tem seqüências de ação maravilhosas que ensinam aos mais impressionáveis (e aqui vai uma alfinetada direta aos fãs de Star Wars que se impressionaram com a luta de espadas no episódio 3) como é que se luta de verdade. De tão bem feitas e coreografadas, elas parecem mais um balé com espadas que uma luta.

A trilha sonora conta com um violino inspirado do veterano Itzak Perlman e é belíssima, assim como o resto do filme, o que só faz com que o espectador mergulhe ainda mais na trama.

Pena que por ser um épico que arrebatou as bilheterias dos cinemas americanos, as pessoas pensam logo que o filme TEM QUE TER ação durante toda a projeção num ritmo frenético, humor imbecil a la comédias americanas idiotas, efeitos especiais, adrenalina e explosões. Talvez isso aconteça porque já tenhamos sido (em quase maioria) domesticados a gostar desse tipo de coisa, que os que ditam a ‘moda’ dizem que é cool, enquanto filmes como Herói são tidos como coisa de Nerd. Puro preconceito de gente imbecil que se julga melhor que os outros, quando o que acontece é o contrário.


Se você ficar curioso pra ver o filme, tenha uma coisa em mente: Herói é um filme oriental. Cada frame é pra ser apreciado como uma obra de arte, um quadro de Picasso. Os silêncios estão ali para serem ouvidos e sentidos, por serem parte vital da história, não um motivo de distração e abstração pra você papear com a pessoa ao lado, mexer no celular, na bolsa...

E a ação de que falei há pouco ainda é reforçada pela absurdamente linda fotografia de Christopher Doyle, colaborador de Yimou, que é um desbunde para os sentidos. De tão bela a fotografia, chega a ser difícil de acreditar que existam lugares tão bonitos na face da terra. Destaque para a cena entre Neve Voadora e Lua, na qual todo o bosque fica vermelho e para a cena no lago, que é emocionante de linda.

As cores são um espetáculo à parte e variam de acordo com a versão da história. O vermelho significa paixão e traição; o verde, juventude; o azul, amor; o branco, a verdade, e o preto, luto. Mas apesar de ser um filme de ação, não é esta que está em voga, mas sim o elemento humano. A ação é apenas um pano de fundo para se contar uma história de revolução, amor, ideais e sacrifícios em prol de um bem maior. Além disso, o filme é de uma sensibilidade ímpar a começar pelo nome dos personagens: Céu, Espada Quebrada e Neve Voadora.

Na verdade, como poderia um filme com personagens com esses nomes ser menos que uma poesia? De todos os personagens, o que mais me cativou foi o de Tony Leung, Espada Quebrada. Dono de uma visão singular da vida e do mundo, ele chega ao ponto de abandonar uma luta para limpar uma gota d’água que cai no rosto de sua amada. A bela Maggie Cheung também está muito bem como a ressentida Neve Voadora. Zhang Ziyi, estrela de O Tigre e o Dragão e colaboradora antiga de Yimou, tem uma pequena, porém importante participação no longa como Lua, pupila de Espada Quebrada. Mas apesar de todo o elenco ser bom e de Tony Leung roubar a cena, destaco a atuação de Jet Li como o xerife Sem Nome como uma ótima e inesperada surpresa.

Quem está acostumado com os filmes que Jet Li faz nos “States” e viu Herói também deve ter se surpreendido com a sua atuação. Não me refiro às lutas, porque ele é um senhor lutador, mas à composição do personagem. Não que achasse ele um mau ator (até porque Jet nunca teve nos EUA um papel bom o suficiente para mostrar se sabe ou não atuar), pois ele é até razoável nos fracos papéis que pega na terra do tio Sam, mas quem conseguiu fazer com que ele tivesse o ótimo desempenho que tem nesse longa merece um prêmio. Minhas dúvidas em relação à sua performance dramática desapareceram por completo depois de Herói, embora saiba que ele dificilmente terá a oportunidade de mostrar esse talento nos EUA.



E para aqueles que se irritam ao ver personagens de filmes chineses voando, digo logo: em Herói eles voam, e voam muito, mas não por algum tipo de superioridade ganha através de superpoderes, e, sim, por poesia. No universo do filme aquilo é possível a qualquer um, e não a uma minoria de escolhidos ou agraciados por deuses ou entidades extraterrenas.

Além disso, eu pergunto: por que ver um chinês voando enquanto luta é tão estranho e ver um palhaço vestido de aranha escalando paredes e soltando teias pelos pulsos, ou ainda ver outro palhaço que veio de outro planeta vestindo uma sunga vermelha por cima de uma calça voando é tão normal? Muito simples: “Quando nascemos fomos programados a receber o que vocês nos empurraram com os enlatados dos USA, de 9 às 18...”



Herói é, antes de tudo, uma obra de arte. E como toda obra de arte que se preze, requer um certo grau de sensibilidade e comprometimento de quem a estiver assistindo. E pensar que se não fosse por Quentin Tarantino, provavelmente o filme nem chegaria ao ocidente...

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O filme foi distribuído no Brasil pela Miramax e pode ser facilmente achado em qualquer locadora.

domingo, 20 de janeiro de 2008

300

Como filme pipoca de ação a que se destina a ser, 300 é mais um exemplar que satisfaz seus objetivos principais: divertir e encher os olhos da geração imagem com um grande espetáculo visual. Como um divisor de águas na história do cinema, uma falsa promessa.

Estrelando: Gerard Butler, Lena Headley, Rodrigo Santoro, David Wenham, Dominic West. Distribuidora: Warner Bros. “300” EUA, 2006. 117 mins. Direção: Zack Snyder.

Site oficial: http://300themovie.warnerbros.com/

Trailer: http://www.youtube.com/watch?v=wDiUG52ZyHQ

Cotação: 6,5

Se a palavra ‘macheza’ tivesse que ser materializada, ela certamente teria como seu maior representante ‘300’. E ser macho no universo do filme não significa apenas falar grosso e sair distribuindo sopapos (há quanto tempo você não via essa palavra escrita?) em todo mundo; aqui, ser macho quer dizer falar aos berros, amar a guerra, ser musculoso, vestir apenas sunga, capa e capacete como os caras do Manowar e meter com força em sua companheira.

Baseado na HQ de Frank Miller, o filme narra a história real da batalha de Termópilas (que aqui foi fantasiada), na qual o rei Leônidas e seu grupo de 300 homens conseguiram resistir ao ataque do exército do imperador Xerxes. A batalha se tornou célebre devido os números envolvidos: enquanto os espartanos tinham apenas três centenas de combatentes e a ajuda de mais alguns povos, os persas eram milhares.



Dirigido por Zack Snyder (que estreou no cinema com a refilmagem do clássico do terror ‘Madrugada dos Mortos), muito foi dito a respeito do filme na época do seu lançamento. Entre elas, que ele revolucionaria o modo de se fazer cinema, que a força das imagens nos faz relevar as falhas narrativas (?!), que a tecnologia usada nas filmagens era original e inovadora e a pior de todas e a qual nem me darei o trabalho de comentar:"Pra que diálogos num filme sobre Esparta?". Sensacional... Discordo de todas as afirmações.

1º) Como assim revolucionar a forma de fazer cinema, cara-pálida? Em termos de estrutura narrativa não há absolutamente nada de novo, muito pelo contrário: ao incluir a fraca subtrama com a rainha Gorgo, que tenta convencer o conselho a enviar reforços aos ‘300’, além do diretor tirar o foco da ação, um dos grandes (e poucos) trunfos do filme, ainda quebra o ritmo do trabalho.

2º) É cada coisa que vou te contar, viu...? Ouvi por aí que devido à força das imagens os problemas narrativos do longa são facilmente superados. Peraí, acho que não entendi direito... Quer dizer que se você sai com uma pessoa e ela se mostra prepotente, arrogante, rude e outras coisas mais você deixa isso passar na boa se ela for bela? Então tá...

3º) No campo da tecnologia, outro engano: a propaganda que prometia um filme com efeitos únicos, intensidade e ineditismo extremo já nasceu morta, uma vez que a escolha em filmar atores de verdade em fundos verdes nos quais os cenários são inseridos digitalmente já foi usada em filmes como e Capitão Sky e o Mundo do Amanhã, Casshern e Sin City (os dois últimos excepcionais).



Sendo assim, menos mal que o filme calque todas as suas forças nas imagens e na ação. Com uma edição rápida e arisca, as seqüências de batalha são muito bem filmadas e completamente estilizadas. Muitas pessoas têm problemas com esse tipo de montagem que remete aos videoclipes, eu não. Acho até que se for usada na medida certa funciona muito bem e que foi a escolha mais certa no projeto. As acelerações e efeitos de câmera-lenta realçam as decapitações e jatos de sangue gráfico que ocorrem de 5 em 5 minutos. As cores são fortes e fiéis à HQ e a fotografia, linda. As imagens são vivas e belíssimas, destacando-se a cena de batalha no desfiladeiro e a ‘árvore de cadáveres’, que são realmente fantásticas.

Mas nem só de efeitos especiais e imagens se faz um filme. Enquanto os dois primeiros itens são soberbos, os diálogos, recheados de frases de efeito, parecem querer transformar os espectadores em mais um dos homens de Leônidas (o que não funcionou comigo) e são péssimos. E não venha me dizer que eu tenho que relevar (de novo?!) isso porque há milhões de filmes de ação por aí com diálogos inteligentes ou que, ao menos, não tentam insultar a inteligência dos espectadores.

Uma coisa que me chamou a atenção e que já tinha percebido em filmes como os da trilogia dos anéis é a forma como os estrangeiros são mostrados. Enquanto os espartanos são todos brancos, de olhos claros e de corpos esculpidos, os inimigos são negros, asiáticos, mestiços, espartanos deformados... O diálogo entre Elfíaltes (que segundo a história era um político e não uma pessoa deformada, mais uma das ‘liberdades’ tomadas pelo filme) e Leônidas deixa claro que tudo o que difere dos ideais de Esparta é visto como inútil e descartável e visto com desconfiança.



Eis um pedaço diálogo:

Elfíaltes:
Sábio Rei, eu humildemente peço por uma audiência.

Capitão da tropa espartana:
Te matarei onde está!

Leônidas:
Não dei tal ordem. Perdoe o Capitão. É um bom soldado, mas não tem muita educação.

Elfíaltes:
Não há nada o que perdoar, Bravo Rei. Sei como pareço.

Leônidas:
Veste as roupas de um espartano.

Elfíaltes:
Me chamo Efíaltes. Garoto de Esparta. O amor de minha mãe levou meus pais a fugirem de Esparta para eu não ser descartado...

Aliás, os ‘defeitos’ são sempre dos outros. Todos sabem que os gregos eram chegados numa sacanagem, que nas termas eram realizadas orgias e que nessas orgias havia relacionamentos gays, mas em 300 isso não acontece, passando a ser uma premissa dos súditos de Xerxes, conforme mostrado numa cena dentro de um dos redutos do imperador persa. Seria um pecado para um espartano participar de uma orgia desse tipo? Aqui, sim. O universo e a prerrogativa hétero-macho-man do filme não permitem, ainda que haja todo contexto homoerótico no fundo (e com trocadilho) da obra. É preciso deixar bem claro para o espectador que os espartanos são ‘perfeitos’.



Alguns dizem que pelo fato dos acontecimentos serem retratados a partir do ponto de vista de Leônidas, é preciso relevar (outra vez?!) o fato dos persas serem vistos como ‘bárbaros’. Aliás, esse assunto criou a maior quizumba lá no Irã, onde todo mundo reclamou pra caramba. Como não é bobo, Zack Snyder tratou de pedir desculpas imediata e publicamente a todos os que se sentiram ofendidos com o filme.

Quanto à violência, a maneira como ela é abordada no filme é um tanto... digamos... assustadora. Mas não no sentido de causar medo e arrepios, porque é tanta a estilização e digitalização da mesma que ela perde aquela coisa instintiva e ‘animalesca’ que transborda em filmes como “Izo” e fica um tanto artificial. Ela assusta pra valer na forma como é tratada. Se nos filmes de Park Chan-wook a violência não se justifica por si só, o que vemos aqui é a glorificação da mesma, já que os espartanos esperaram e viveram praticamente toda a vida para aquele momento (“who wants to live forever?”). E é no mínimo irônico que seja o próprio Xerxes o personagem mais sóbrio da história, já que é ele quem tenta evitar inúmeras vezes o confronto com os espartanos. Por várias vezes cheguei a pensar: “Pô, até que esse cara é sangue bom”.



O receio que tive ao assistir 300 foi o mesmo que senti ao ver as pessoas saindo do cinema depois de “Tropa de Elite” tomando como corretos, normais e dignos de aplauso comportamentos como o do Rei Leônidas e do Capitão Nascimento. Mais: querendo ser como eles. Os dois acham que estão defendendo a liberdade e o bem-estar dos seus (o que é uma verdade), mas os métodos para alcançar esses fins é que não batem com seus discursos, que são contraditórios. Leônidas prefere sacrificar seu povo a negociar e poupar todos em nome de uma glória post mortem e de uma liberdade que prega messianicamente, o que o coloca lado a lado com os mesmos bárbaros ‘persas’ de hoje, que se matam e matam por um ideal. Outra contradição no seu discurso está justamente no fato dessa mesma liberdade bradada aos quatro ventos não valer para todos, já que Esparta tinha escravos.

O elenco agarra com unhas e dentes os papéis e se as interpretações não são fabulosas, tampouco são repreensíveis, uma vez que o roteiro não se aprofunda na constituição dos personagens, limitando-se apenas a mostrar o lado ‘brucutu’ de todos. As únicas cenas em que se mostra algum tipo de ‘humanidade’ nos 300 acontecem quando Leônidas se despede da rainha Gorgo, quando manda um cordão para a mesma e quando o Capitão (SPOILER. Pule este pedaço do texto se você ainda não viu o filme) perde seu filho. Mas ele logo volta à normalidade querendo mais sangue persa. Gerard Butler encarna Leônidas com intensidade, mas não salva o filme, que tem um fraco roteiro. Rodrigo Santoro, caracterizado identicamente ao personagem a HQ, também faz um bom trabalho na pele do gigante Xerxes. O ator teve sua voz alterada digitalmente para que ela ficasse mais grave e teve que atuar olhando para baixo, para dar a impressão de que ele é um gigante.


Tivesse o diretor deixado o foco em contextos históricos, acredito que o resultado teria sido pior. Pior, sim, porque existem dois tipos de sucesso: o financeiro/comercial e o artístico. E por mais que Snyder diga que não esperava o sucesso do trabalho junto às massas, esse discurso soa batido e artificial, já que o que mais vende é violência e sexo (ou sexualidade), elementos que o filme tem de sobra. E ainda que a cena de sexo entre Leônidas e a rainha Gorgo não seja uma coisa que se diga: “nossa, que sacanagem!”, acredito que ela consegue satisfazer os mais exaltados. Desse modo, ‘300’ já nasceu pronto para a glória (se artística, comercial ou ambas, você decide).