quarta-feira, 30 de abril de 2008

OLD BOY

O longa de Park Chan-Wook te acompanha depois de sair da sala do cinema e fica impregnado em você por dias, semanas, meses.


Com: Min-Sik Choi, Ji-tae Yu, Hye-jeong Kang, Dae-han Ji, Dal-su Oh. "Old boy" 119 mins. Coréia do Sul, 2003. Direção: Chan-wook Park.

Trailer no Youtube: http://br.youtube.com/watch?v=YLn1y9v6yno
Site Oficial: http://www.oldboy2003.co.kr/
Cotação: 10

De vez em quando, aparecem certos filmes que mexem com o espectador, que tomam a atenção de quem estiver assistindo e ficam na cabeça por dias, semanas, meses. Oldboy, do diretor sul-coreano Chan-Wook Park, é um desses filmes. Baseado no homônimo mangá (quadrinho) japonês de Tsuchyia Garon e Minegishi Nobuaka lançado em 1997, Oldboy é o segundo capítulo de uma trilogia de histórias sobre vingança que Park começou a filmar em 2002, com o espetacular Sympathy for Mr. Vengeance, e que terminou em 2005 com o excelente Sympathy for Lady Vengeance.

O argumento de Oldboy (que bebe da fonte Kafkiana) conta a infeliz história de Oh Dae-Su, vivido brilhantemente por Min-Sik Choi, homem comum que é detido sem saber que crime cometeu e passa os 15 anos seguintes preso no que parece ser um quarto de hotel. Sem ver nenhuma criatura viva durante o tempo em que fica preso, seu único contato com o mundo exterior é através de uma televisão (a montagem da passagem dos anos é sensacional), pela qual acompanha as mudanças no mundo e fica sabendo que sua mulher foi assassinada, sendo ele o principal suspeito. Aliás, o filme toca no assunto da formação da personalidade das pessoas pela televisão de forma sutil, mas eficiente. A TV, segundo Dae-su, funciona como calendário, amigo, escola, relógio, igreja e... amante.


Sem poder fugir nem dar fim ao seu sofrimento, já que toda vez que tenta se matar alguém o impede, começa a enlouquecer, e a única saída que lhe resta é viver somente para encontrar e destruir o seu raptor. À medida que o tempo passa (e com a ajuda da TV), Oh Dae-Su aprende artes marciais e pratica esmurrando um desenho feito numa das paredes da prisão. Prestem atenção nos calos nas mãos do protagonista, detalhe que o filme não esquece.


E da mesma forma que foi preso, Dae-Su é libertado. E solto, quer reexperimentar a vida, momento que culmina numa das cenas mais tocantes do longa, quando Dae-su, após o longo confinamento e reduzido praticamente a um animal que só pensa em vingança, quer tocar e sentir o toque e o cheiro de outro ser humano.


Desse ponto em diante, o roteiro, poderosamente bem escrito, se dedica a estudar os efeitos e conseqüências que um longo isolamento pode provocar numa pessoa. Um celular e uma carteira cheia de dinheiro lhe são dados, e ele resolve pôr em prática o treinamento imaginário a que se submeteu por 15 anos. Sem ter para onde ir, se dirige a um restaurante japonês e o telefone toca. Alguém lhe diz que ele tem apenas cinco dias para descobrir quem o aprisionou e por quê. Com a ajuda da sushiwoman Mido, Oh Dae-Su parte em busca das respostas que procura. A partir daí, são fornecidos novos dados que vão desenrolando o quebra-cabeças, e o que era uma trama de suspense e ação se transforma numa tragédia grega que só vendo o filme para ter idéia.

Se o castigo imposto ao nosso anti-herói soa extremamente cruel à primeira vista, quando a dimensão da tragédia pessoal dos personagens vem à tona e as razões que a motivaram a vingança são devidamente explicadas, passamos, se não a aceitar a vingança, pelo menos a entendê-la, pois TODOS os personagens são humanos. E ao humanizar os personagens, Park joga em cima do espectador a tarefa de achar culpados e inocentes, provocando em nós o sentimento ambíguo de torcer pelo protagonista sem, necessariamente, odiar o antagonista. Com uma fotografia extremamente bem cuidada e escura que dá ao longa um tom quase noir, o filme coleciona cenas impressionantes. Uma delas é a seqüência de luta na qual Dae-su enfrenta sozinho cerca de 20 capangas no corredor de um prédio com um martelo. Filmada sem cortes, ela tem pouco mais de três minutos e parece real e cansativa como poucas. Como a câmera se movimenta apenas lateralmente, temos a sensação de estarmos diante de um jogo em 2D como Final Fight. Simplesmente sensacional. Outra cena muito comentada é a que Oh Dae-Su come um polvo vivo. A trilha sonora, assim como em Kubrick, é elemento importantíssimo como complemento da violência que explode ao som da mais bela música clássica, valsa e música eletrônica.

Falando em violência, a crítica especializada costuma dizer que o filme é ultraviolento. Eu concordo e discordo ao mesmo tempo. É claro que existe violência no filme, mas nada exagerado (ver Ichi the Killer e seus vários jatos de sangue arterial) como andam falando. Enquanto em filmes como Sin City e O Resgate do Soldado Ryan, por exemplo, a violência física é explícita e voam braços e cabeças, em Oldboy ela é muito mais sugerida, mostrando o início do ato e em seguida suas conseqüências. A real e gigantesca violência do longa (quem viu o filme e tem um mínimo de sensibilidade sabe do que estou falando) vem de outro lugar, mas dizer de onde é entregar o filme.
Com a direção extremamente segura e competente de Park, somos levados para dentro de uma trama de vingança eletrizante, original e diabolicamente bem bolada (quando a supresa final foi revelada, o que mais se ouvia no cinema era c¨&¨$#aralho!!! e PQP!!). As atuações de Hye-jeong Kang, Yu Ji-Tae são excelentes, mas quem rouba a cena é Choi Min-sik, que impressiona pela forma como se entrega ao personagem transmitindo raiva, dor e desespero de forma sincera, e cuja interpretação apenas nos 20 primeiros minutos do longa faria muitos "oscarizados" de Hollywood ficarem vermelhos de vergonha.


Vencedor do prêmio do júri no festival de Cannes de 2004, Oldboy é cinema com “C” maiúsculo. Visceral, pesado e perturbador, o filme, que trata de forma brilhante e original temas como a vingança e suas conseqüências e como palavras aparentemente inofensivas podem afetar de maneira brutal a vida alheia, é, no fim das contas, uma intensa história de amor. E nunca um "eu te amo" soou tão doloroso quanto neste filme.

Finalmente, você pode até não gostar do longa (o que acho MUITO difícil) por não ser uma obra fácil de se assistir e por ele conseguir a proeza que poucos filmes têm feito de uns anos pra cá: fazer o espectador pensar (ainda que ele não esteja disposto a isso), mas indiferença é um sentimento que, com certeza, não vai sequer passar pela sua cabeça depois de terminada a exibição, pois é impossível sair ileso de um filme como esse. Então fica o conselho: se você só gosta de histórias alegres e saltitantes, nem chegue perto da sala que estiver exibindo Oldboy.
Até que ponto você iria para se vingar de alguém? Pois com certeza não chegou nem perto da vingança apresentada nesse filme.
__________________________________________________________
O longa tem distribuição no Brasil feita pela Europa Filmes e pode ser encontrado em qualquer locadora.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

SYMPATHY FOR MR. VENGEANCE

O primeiro capítulo da trilogia da vingança de Park Chan-Wook é o mais cru, trágico e brutal da série, além de ser um soco no estômago e um exemplo poderoso de como a ética é uma coisa relativa e de como a violência gera mais violência.

Com: Kang-Ho Sang, Ha-kyun Shin, Du-na Bae, Ji-Eun Lim. "Boksuneun naui geot" 129 mins. Coréia do Sul, 2002. Direção: Chan-wook Park.
Cotação: 10

O filme tem como um dos personagens principais Ryu (Shin), um jovem surdo e mudo que precisa urgentemente de dinheiro para que sua irmã (Lim) possa fazer um transplante de rim. Depois de ser demitido da fábrica onde trabalha, ele decide pagar para que traficantes de órgãos retirem um de seus rins na intenção de doá-lo à sua irmã, mas é enganado pela quadrilha. Sem emprego e sem dinheiro, Ryu é convencido pela namorada Yeong-mi (Bae) a seqüestrar a filha do seu ex-chefe, o Sr. Park Dong-jin (Song), para conseguir o dinheiro do transplante. O rapto corre como o planejado, mas uma fatalidade vai mudar para sempre a vida das pessoas envolvidas na situação.
Pela sinopse, esse parece ser apenas mais um longa sobre vingança. Só parece, porque assim como Oldboy, Mr. Vengeance não é um filme sobre vingança como os que estamos acostumados a ver por aí; não é um trabalho com personagens caricatos e superficiais como o herói lindo e forte que espanca todo mundo, faz gracinhas e dá lições de moral, a mocinha que só pensa em compras, festas, gatinhos e popularidade. Também não há tiros e explosões a cada 5 minutos nem milhões gastos em efeitos especias; tampouco há piadas sem sal que tentam desesperadamente agradar o público. Não, definitivamente não. Aqui o humor é ácido, a violência não se justifica por si só, o roteiro é muito bem escrito e o mais importante: em meio à busca incessante (e violenta) por vingança que ocorre no trabalho, há espaço para entendermos com mais profundidade a complexidade dos personagens. Um exemplo disso é a forma como a filha do chefe de Ryu se apega aos seqüestradores de modo quase familiar devido à falta de tempo e atenção dos pais.

Uma coisa que me chamou a atenção na película foi a maneira como Park retratou as ações e reações dos personagens. Se em Oldboy eles são movidos por tragédias e fantasmas do passado, em Sympathy eles agem de acordo com a situação em que se encontram. Como na vida, certo e errado são relativos e as decisões tomadas pelos personagens podem até não parecer corretas para o espectador, mas duvido que você não cogitaria as possibilidades apresentadas no longa se estivesse na mesma situação.

Outro ponto alto da projeção é a trilha sonora (ou a falta dela). Como o personagem principal é surdo/mudo, Chan-Wook optou por quase não fazer uso de música no longa, chegando a homenagear o cinema mudo em algumas partes, quando os personagens se comunicam através da linguagem de sinais e a legenda branca aparece no fundo preto. Acertou em cheio. A ausência de música no filme, que tem apenas uma introdução de piano no início e uma música macabra no meio e no final da projeção, provoca longos silêncios que deixam o espectador angustiado em vários momentos. A fotografia está sempre variando em valorizar o 1º plano, embaçando o fundo, e vice-versa.
A película tem um bom ritmo, chegando a fazer com que o espectador queira que o longa seja mais lento algumas vezes para evitar o desfecho, que, como em Olboy, faz pensar. O elenco é bom e está seguro nas atuações, sendo difícil destacar apenas um nome. Song Kang-ho, que interpreta o Sr. Park Dong-jin, e também pode ser visto nos ótimos The Host (junto com Bae Du-na), JSA e Memories of Murder, é um dos ícones do atual cinema coreano. Shin Ha-gyun, que atuou no sensacional "Save the Green Planet", está muito bem como o surdo/mudo Ryu; e a bela Bae Du-na, que faz Yeong-mi, namorada de Ryu, não fica atrás de seus companheiros, protagonizando com Song Kang-ho a cena de tortura mais angustiante do longa.
Pesado, Sympathy não faz questão de agradar o espectador, tendo a coragem de mandá-lo para fora do cinema com uma enorme sensação de esgotamento e frustração pelo destino dos personagens (particularmente, fiquei um lixo depois do filme). Aqui a violência não é gratuita, não há heróis e vilões e os personagens têm motivos mais que relevantes para cometerem os atos que cometem. Aqui, todos têm virtudes e defeitos e são, acima de tudo, HUMANOS como todos nós. Aliás, humanidade é uma palavra que será bastante usada para falar dos filmes da trilogia da vingança de Park.
__________________________________________________________
O longa tem distribuição no Brasil pela Europa Filmes e pode ser encontrado em qualquer locadora.