domingo, 20 de janeiro de 2008

300

Como filme pipoca de ação a que se destina a ser, 300 é mais um exemplar que satisfaz seus objetivos principais: divertir e encher os olhos da geração imagem com um grande espetáculo visual. Como um divisor de águas na história do cinema, uma falsa promessa.

Estrelando: Gerard Butler, Lena Headley, Rodrigo Santoro, David Wenham, Dominic West. Distribuidora: Warner Bros. “300” EUA, 2006. 117 mins. Direção: Zack Snyder.

Site oficial: http://300themovie.warnerbros.com/

Trailer: http://www.youtube.com/watch?v=wDiUG52ZyHQ

Cotação: 6,5

Se a palavra ‘macheza’ tivesse que ser materializada, ela certamente teria como seu maior representante ‘300’. E ser macho no universo do filme não significa apenas falar grosso e sair distribuindo sopapos (há quanto tempo você não via essa palavra escrita?) em todo mundo; aqui, ser macho quer dizer falar aos berros, amar a guerra, ser musculoso, vestir apenas sunga, capa e capacete como os caras do Manowar e meter com força em sua companheira.

Baseado na HQ de Frank Miller, o filme narra a história real da batalha de Termópilas (que aqui foi fantasiada), na qual o rei Leônidas e seu grupo de 300 homens conseguiram resistir ao ataque do exército do imperador Xerxes. A batalha se tornou célebre devido os números envolvidos: enquanto os espartanos tinham apenas três centenas de combatentes e a ajuda de mais alguns povos, os persas eram milhares.



Dirigido por Zack Snyder (que estreou no cinema com a refilmagem do clássico do terror ‘Madrugada dos Mortos), muito foi dito a respeito do filme na época do seu lançamento. Entre elas, que ele revolucionaria o modo de se fazer cinema, que a força das imagens nos faz relevar as falhas narrativas (?!), que a tecnologia usada nas filmagens era original e inovadora e a pior de todas e a qual nem me darei o trabalho de comentar:"Pra que diálogos num filme sobre Esparta?". Sensacional... Discordo de todas as afirmações.

1º) Como assim revolucionar a forma de fazer cinema, cara-pálida? Em termos de estrutura narrativa não há absolutamente nada de novo, muito pelo contrário: ao incluir a fraca subtrama com a rainha Gorgo, que tenta convencer o conselho a enviar reforços aos ‘300’, além do diretor tirar o foco da ação, um dos grandes (e poucos) trunfos do filme, ainda quebra o ritmo do trabalho.

2º) É cada coisa que vou te contar, viu...? Ouvi por aí que devido à força das imagens os problemas narrativos do longa são facilmente superados. Peraí, acho que não entendi direito... Quer dizer que se você sai com uma pessoa e ela se mostra prepotente, arrogante, rude e outras coisas mais você deixa isso passar na boa se ela for bela? Então tá...

3º) No campo da tecnologia, outro engano: a propaganda que prometia um filme com efeitos únicos, intensidade e ineditismo extremo já nasceu morta, uma vez que a escolha em filmar atores de verdade em fundos verdes nos quais os cenários são inseridos digitalmente já foi usada em filmes como e Capitão Sky e o Mundo do Amanhã, Casshern e Sin City (os dois últimos excepcionais).



Sendo assim, menos mal que o filme calque todas as suas forças nas imagens e na ação. Com uma edição rápida e arisca, as seqüências de batalha são muito bem filmadas e completamente estilizadas. Muitas pessoas têm problemas com esse tipo de montagem que remete aos videoclipes, eu não. Acho até que se for usada na medida certa funciona muito bem e que foi a escolha mais certa no projeto. As acelerações e efeitos de câmera-lenta realçam as decapitações e jatos de sangue gráfico que ocorrem de 5 em 5 minutos. As cores são fortes e fiéis à HQ e a fotografia, linda. As imagens são vivas e belíssimas, destacando-se a cena de batalha no desfiladeiro e a ‘árvore de cadáveres’, que são realmente fantásticas.

Mas nem só de efeitos especiais e imagens se faz um filme. Enquanto os dois primeiros itens são soberbos, os diálogos, recheados de frases de efeito, parecem querer transformar os espectadores em mais um dos homens de Leônidas (o que não funcionou comigo) e são péssimos. E não venha me dizer que eu tenho que relevar (de novo?!) isso porque há milhões de filmes de ação por aí com diálogos inteligentes ou que, ao menos, não tentam insultar a inteligência dos espectadores.

Uma coisa que me chamou a atenção e que já tinha percebido em filmes como os da trilogia dos anéis é a forma como os estrangeiros são mostrados. Enquanto os espartanos são todos brancos, de olhos claros e de corpos esculpidos, os inimigos são negros, asiáticos, mestiços, espartanos deformados... O diálogo entre Elfíaltes (que segundo a história era um político e não uma pessoa deformada, mais uma das ‘liberdades’ tomadas pelo filme) e Leônidas deixa claro que tudo o que difere dos ideais de Esparta é visto como inútil e descartável e visto com desconfiança.



Eis um pedaço diálogo:

Elfíaltes:
Sábio Rei, eu humildemente peço por uma audiência.

Capitão da tropa espartana:
Te matarei onde está!

Leônidas:
Não dei tal ordem. Perdoe o Capitão. É um bom soldado, mas não tem muita educação.

Elfíaltes:
Não há nada o que perdoar, Bravo Rei. Sei como pareço.

Leônidas:
Veste as roupas de um espartano.

Elfíaltes:
Me chamo Efíaltes. Garoto de Esparta. O amor de minha mãe levou meus pais a fugirem de Esparta para eu não ser descartado...

Aliás, os ‘defeitos’ são sempre dos outros. Todos sabem que os gregos eram chegados numa sacanagem, que nas termas eram realizadas orgias e que nessas orgias havia relacionamentos gays, mas em 300 isso não acontece, passando a ser uma premissa dos súditos de Xerxes, conforme mostrado numa cena dentro de um dos redutos do imperador persa. Seria um pecado para um espartano participar de uma orgia desse tipo? Aqui, sim. O universo e a prerrogativa hétero-macho-man do filme não permitem, ainda que haja todo contexto homoerótico no fundo (e com trocadilho) da obra. É preciso deixar bem claro para o espectador que os espartanos são ‘perfeitos’.



Alguns dizem que pelo fato dos acontecimentos serem retratados a partir do ponto de vista de Leônidas, é preciso relevar (outra vez?!) o fato dos persas serem vistos como ‘bárbaros’. Aliás, esse assunto criou a maior quizumba lá no Irã, onde todo mundo reclamou pra caramba. Como não é bobo, Zack Snyder tratou de pedir desculpas imediata e publicamente a todos os que se sentiram ofendidos com o filme.

Quanto à violência, a maneira como ela é abordada no filme é um tanto... digamos... assustadora. Mas não no sentido de causar medo e arrepios, porque é tanta a estilização e digitalização da mesma que ela perde aquela coisa instintiva e ‘animalesca’ que transborda em filmes como “Izo” e fica um tanto artificial. Ela assusta pra valer na forma como é tratada. Se nos filmes de Park Chan-wook a violência não se justifica por si só, o que vemos aqui é a glorificação da mesma, já que os espartanos esperaram e viveram praticamente toda a vida para aquele momento (“who wants to live forever?”). E é no mínimo irônico que seja o próprio Xerxes o personagem mais sóbrio da história, já que é ele quem tenta evitar inúmeras vezes o confronto com os espartanos. Por várias vezes cheguei a pensar: “Pô, até que esse cara é sangue bom”.



O receio que tive ao assistir 300 foi o mesmo que senti ao ver as pessoas saindo do cinema depois de “Tropa de Elite” tomando como corretos, normais e dignos de aplauso comportamentos como o do Rei Leônidas e do Capitão Nascimento. Mais: querendo ser como eles. Os dois acham que estão defendendo a liberdade e o bem-estar dos seus (o que é uma verdade), mas os métodos para alcançar esses fins é que não batem com seus discursos, que são contraditórios. Leônidas prefere sacrificar seu povo a negociar e poupar todos em nome de uma glória post mortem e de uma liberdade que prega messianicamente, o que o coloca lado a lado com os mesmos bárbaros ‘persas’ de hoje, que se matam e matam por um ideal. Outra contradição no seu discurso está justamente no fato dessa mesma liberdade bradada aos quatro ventos não valer para todos, já que Esparta tinha escravos.

O elenco agarra com unhas e dentes os papéis e se as interpretações não são fabulosas, tampouco são repreensíveis, uma vez que o roteiro não se aprofunda na constituição dos personagens, limitando-se apenas a mostrar o lado ‘brucutu’ de todos. As únicas cenas em que se mostra algum tipo de ‘humanidade’ nos 300 acontecem quando Leônidas se despede da rainha Gorgo, quando manda um cordão para a mesma e quando o Capitão (SPOILER. Pule este pedaço do texto se você ainda não viu o filme) perde seu filho. Mas ele logo volta à normalidade querendo mais sangue persa. Gerard Butler encarna Leônidas com intensidade, mas não salva o filme, que tem um fraco roteiro. Rodrigo Santoro, caracterizado identicamente ao personagem a HQ, também faz um bom trabalho na pele do gigante Xerxes. O ator teve sua voz alterada digitalmente para que ela ficasse mais grave e teve que atuar olhando para baixo, para dar a impressão de que ele é um gigante.


Tivesse o diretor deixado o foco em contextos históricos, acredito que o resultado teria sido pior. Pior, sim, porque existem dois tipos de sucesso: o financeiro/comercial e o artístico. E por mais que Snyder diga que não esperava o sucesso do trabalho junto às massas, esse discurso soa batido e artificial, já que o que mais vende é violência e sexo (ou sexualidade), elementos que o filme tem de sobra. E ainda que a cena de sexo entre Leônidas e a rainha Gorgo não seja uma coisa que se diga: “nossa, que sacanagem!”, acredito que ela consegue satisfazer os mais exaltados. Desse modo, ‘300’ já nasceu pronto para a glória (se artística, comercial ou ambas, você decide).

2 comentários:

Anônimo disse...

Vi o filme há algum tempo e não lembro bem dele. Lembro que gostei pq gosto de matanças e desgraça, mas isso não vem ao caso.
Gostei da sua resenha , parabéns.

Tales de Azevedo disse...

Apenas para deixar registrado mais uma vez o quão injusta achei a sua resenha. :D