domingo, 6 de janeiro de 2008

4 MESES, 3 SEMANAS E 2 DIAS

Os limites a que uma amizade pode chegar

Estrelando: Anamaria Marinca, Laura Vasiliu, Vlad Ivanov, Alexandru Potoceanu, Romênia, 2007. 109 Min. Direção: Cristian Mungiu.

Site o ficial: http://www.4months3weeksand2days.com/

Trailer: http://www.youtube.com/watch?v=Y1KCZLdLbIQ

Cotação: 9,00.

Vencedor da Palma de ouro de 2007, 4 Semanas, 3 Meses e 2 Dias, do diretor Cristian Mungiu, surpreendeu o mundo ao desbancar superproduções do cinema mundial, como Zodiac, dirigido por David Fincher (Seven e Clube da Luta). Muitos não entenderam como o filme de um diretor desconhecido e de baixo orçamento (o longa custou ‘míseros’ 600 mil Euros) conseguiu tal façanha, mas o fato é que conseguiu, e tem todos os méritos do mundo para isso.

Parte de um projeto chamado “Histórias da Era de Ouro” (do qual faz parte o também extraordinário A Morte do Sr. Lazarescu), o longa se passa em um único dia de 1987, nos momentos finais do comunismo, e conta a história de Gabitza e Otilia, duas jovens amigas que dividem um quarto na universidade. Gabitza está grávida e o aborto é proibido na Romênia. Devido à recessão no país, várias pessoas trabalham no mercado negro oferecendo este serviço. Para que ninguém desconfie, Otilia aluga um quarto num hotel e recebe o Dr. Bebe, contratado para ‘dar um jeito na situação’. Ao descobrir que a gravidez de Gabitza está num estágio mais avançado que o que ela havia dito por telefone, as exigências do médico para realizar o serviço aumentam a um preço que as duas não estão preparadas para pagar.

Assistir a esse filme foi como levar um soco no estômago do Mike Tyson. Acompanhamos o humilhante processo pelo qual as duas jovens passam para conseguir realizar o aborto como uma terceira pessoa, graças ao fabuloso trabalho de câmera de Mungiu. Os diálogos são muito naturais e não soam forçados; as cenas, longas, sem cortes, cruas e reais, impressionam. A seqüência em que Otilia se lava no quarto do hotel é poderosa (me lembro de conseguir ouvir a respiração dos outros, tamanho era o silêncio no cinema), mas é apenas uma delas. E Mungiu não nos poupa. Tal é o realismo que não há música no longa, só o som de passos nos corredores, tilintar de copos, som de isqueiros sendo acendidos, o que aumenta ainda mais a brutalidade (já imensa) do filme.

A fotografia gelada e escura e a direção sóbria pressupõem distanciamento e ausência de julgamento para com os personagens, contribuindo para aumentar a sensação de veracidade que permeia todo o trabalho.


A urgência da história é conferida ao sermos jogados de repente no meio da situação em que as duas jovens se encontram e no desenrolar da trama em atos simples como conseguir um cigarro, falar com o namorado, tentar arrumar um quarto de hotel, tentar fingir felicidade durante uma festa...

Mungiu consegue comover sem apelar para música ou closes, recursos tão utilizados para fazer a platéia se afogar em lágrimas. O trabalho dos atores é sensacional. Laura Vasiliu confere o tom certo de imaturidade a Gabitza, como podemos perceber no intenso diálogo que ela trava com o dr. Bebe. Envolta na situação real que é a prática do aborto, a conversa é perfeitamente crível e passível de identificação por qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo. Não posso esquecer de Vlad Ivanov, que faz o dr. Bebe. Ele está muito bem na pele do frio médico e o monólogo em que tenta racionalizar a situação para as moças é sensacional. Mas o filme é de Anamaria Marinca. Ela está incrível na pele Otilia, fiel amiga que fará tudo (tudo mesmo) por Gabitza. São dela os momentos mais fortes do filme, como o que ela tem de se livrar de uma vez por todas do ‘problema’ e sai no meio da noite procurando o melhor lugar para despejá-lo.


Sem levantar bandeiras pró ou contra o aborto, 4 Meses... é um filme extremamente realista, e por isso mesmo, bastante pesado. Mungiu conduz tudo com mão firme e cria uma atmosfera tão densa que nos últimos 20 minuto de projeção parece que não estamos mais assistindo a um drama, mas a um filme de terror dos mais assustadores (o que me fez lembrar de "Audition", do mestre Takashi Miike).

Poderoso olhar sobre os limites a que uma amizade pode chegar, o filme é direto, honesto, e, infelizmente, um retrato do que deve ocorrer diariamente mundo afora.

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O filme ainda não tem data de estréia nos cinemas brasileiros. Alguns boatos indicam que ele deve estrear por aqui ainda nos primeiros meses do ano, mas nenhuma informação oficial foi dada até agora.

2 comentários:

Tales de Azevedo disse...

Deveras interessante,,, Tenho um certo preconceito com filme que ganham prêmios em Cannes mas esse ai parece merecer ser visto. Ele já foi lançado aqui no Brasil?

Diogo Giglio disse...

Ainda não, Tales. Pelo que fiquei sabendo, seria lançado aqui em janeiro, mas é esperar pra ver.