sexta-feira, 28 de março de 2008

Onde Os Fracos (Velhos) Não Têm Vez

Pequena obra-prima sobre o sentido (ou da falta de sentido) da violência, o longa é preparado para frustrar o espectador da primeira a última cena. Mas ao contrário do que muitos pensarão, essa frustração é a melhor e a mais plausível possível.

Estrelando: Josh Brolin, Javier Bardem, Tommy Lee Jones, Woody Harrelson, Kelly MacDonald. Distribuidora: Paramount Classics/Europa Filmes. “No Country For Old Men” EUA, 2007. 122min. Direção: Ethan e Joel Coen.
Cotação: 10

Se há uma coisa melhor que ver um bom filme, é ver a reação das pessoas após o término de um trabalho. Acho fundamental numa obra que ela cause reflexão, debates, caso contrário, ela fica sem sentido. Goste ou odeie, acho fundamental essa reação. A manifestação de indiferença soa como se a pessoa simplesmente não tivesse visto (lido, provado, sentido) a obra e, conseqüentemente, é como se ela não existisse para essa pessoa, o que é uma pena, pois por causa do final de onde “Os Fracos Não Têm Vez”, que muitos dizem ser aberto a interpretações, mas que pra mim não tem nada de aberto, sendo absolutamente bem amarrado, satisfatório e claro na mensagem que pretende passar, além de ser perfeito por tudo o que é mostrado no longa, as pessoas ou tendem a ficar indiferentes ou a detestar o filme por serem frustradas por uma conclusão que não atende às expectativas Hollywoodianas às quais a maioria de nós está acostumada: bandido ruim tem que morrer ou ir preso e o mocinho bonzinho tem que viver e ser feliz para sempre com a mocinha, caso contrário, o filme não é completo. Sendo assim, entendo a indiferença e a frustração da maioria.

Mas discordo dela, pois o filme é uma pequena obra-prima sobre a violência e o seu sentido (ou falta de). Quem conhece o trabalho dos irmãos Coen (responsáveis por filmes como Gosto de Sangue, Arizona Nunca Mais, Ajuste Final e Fargo) sabe que a história em seus filmes não costuma ser o tema principal, e sim os personagens. Assim sendo, o longa se resume à fuga de um texano comum chamado Llewelyn Moss (Josh Brolin) da caçada de um assassino psicopata chamado Anton Chigurh, vivido brilhantemente por Javier Bardem (de Mar Adentro), após aquele encontrar uma maleta com 2 milhões de dólares perto de uma picape cheia de cadáveres. Ao mesmo tempo, o xerife Ed Tom Bell (Tomy Lee Jones) tenta encontrar Moss antes que Chigurh o mate, ficando impressionado com a carnificina promovida pelo assassino.

A sinopse não é das mais originais, não acha?, mas os personagens, quanta diferença... Eles são completamente despidos em nossa frente graças aos diálogos extremamente fluidos e inteligentes que permeiam o roteiro. Eles foram praticamente todos preservados do livro de Cormac McCarthy, no qual o longa é baseado. Um ponto positivo disso é que as conversas não fazem distinção entre personagens principais e secundários. E há vários exemplos de ótimos diálogos. Esse é um deles:

Carlson:
- Você tem idéia do quanto é louco?

Chigurh:
- Você se refere à natureza dessa conversa?

Carlson:
- Não, me refiro à natureza da sua pessoa.

Outro exemplo pode ser citado na cena em que perguntam ao personagem de Josh Brolin o que ele fez com o dinheiro, no que este responde: “Gastei 1,5 milhão com prostitutas e uísque. O resto eu desperdicei”. É impressão minha ou só eu percebi um texto de um episódio do Chapolin aí?


Ultimamente tenho visto muitos filmes sem trilha sonora, e “Onde os Fracos não Têm Vez” é mais um deles. Assim como em “4 meses, 3 semanas e 2 dias” e “Sympathy For Mr. Vengeance”, a ausência de trilha sonora funciona muito bem, extraindo apenas (e de forma brilhante, diga-se de passagem) o som ambiente como o ranger do assoalho, a respiração ofegante, etc. A fotografia escura dá ao filme um tom noir, que combinado à uma estética western funciona incrivelmente bem.


E não há de se falar propriamente em bem ou mal, pois estes são relativos e mudam conforme muitas variantes, mas como é comum rotular tudo, dirão por aí para polarizar o “bem”, que este é representado por Tomy Lee Jones na pele do xerife Ed Tom Bell, que não entende como pode haver pessoas como o psicótico assassino e lamenta que os tempos em que os mais velhos eram respeitados e que os xerifes não precisavam de armas para combater o crime tenham passado e dado lugar ao caos atual. Dessa forma, o personagem do brilhante Javier Bardem, o lunático Anton Chigurh, surge como o mal e como contraponto do xerife, além de ser uma metáfora bastante convincente da violência, do constante processo de desumanização que vivemos e da banalidade da violência presente em todo o mundo: Chigurh não precisa de nenhum motivo para matar, basta que alguém atravesse seu caminho e, às vezes, conte com uma ajudinha da sorte num jogo e cara ou coroa. E o próprio Anton está sujeito ao caos geral, como podemos ver no fim do trabalho. Em cima do muro está o personagem de Josh Brolin, Llewelyn Moss, que apesar de não ser exatamente não ser o que se pode de bom samaritano e exemplo de honestidade, é condenado a ser perseguido justamente por ser “fraco” e praticar um ato de humanidade.

Bardem está nada menos que fenomenal na pele de Chigurh, um monstro que não mostra nenhuma piedade ou arrependimento pelas vidas que tira. O corte de cabelo dele, que pode parecer uma coisa banal, mas que é algo importante para a caracterização do personagem, confere a ele um ar ainda mais assustador. Experiente como é, Javier é inteligente ao não caricaturar o personagem. Apesar de ser uma máquina de matar, Anton não chama atenção e não fala aos berros, sempre controlando sua voz, mesmo quando está irritado com alguma situação ou coisa. Tomy Lee Jones também está fabuloso como o pessimista xerife Ed Tom Bell, que justamente por saber que não conseguirá mudar o mundo nem acompanhar o ritmo de decadência da sociedade moderna, tendo que conviver com o caos existente nele, nos causa identificação justamente pelo fato se sentir (e nos fazer sentir) impotente perante toda a situação de brutalidade que vê enquanto busca proteger Moss. E esse fato se comprova quando um personagem diz ao xerife que ele não pode impedir o que está por vir.

No título “Onde os Fracos (velhos) Não Têm Vez”, os fracos são justamente todos aqueles que negam o embrutecimento, mantêm os seus princípios e recusam a desumanização. Se você já se sentiu ou se sente parte desse grupo, seja bem-vindo ao clube dos que ainda acreditam num futuro melhor, apesar dos pesares. E se um dia você tiver um sonho no qual uma luz quente e reconfortante aparece no meio da noite fria e escura, não se deixe abater por estas três simples palavras: “E aí acordei”.

PS: Anton Chigur é um assassino muito foda, mas pra chegar a Kakihara (ver "Ichi, o Assassino") ainda tem que comer muito arroz com feijão. :0D

3 comentários:

Douglas Almeida disse...

Esse filme tem nome de filme bom, atores que caracterizam um bom filme, e pra completar foi contemplado com alguns prêmios no Oscar. Não vi, mas pelo o que já ouvi, Javier Bardem foi sensacional nesse filme. É um filme que vale a pena assistir. Um filme interessante que vale a pena perder alguns minutos para se assistir.
Mais uma vez, excelentes sinopse e comentários.

Bonine John disse...

O filme � muito bom, apesar das cr�ticas fortes. O final contrangeu muita gente. Ficou parecendo filme franc�s (n�o sabe como terminar), mais valeu a inten�o, deu no que deu. Interpreta�o maravilhosa do tal ator, muito boa mesmo. E que fotografia, heim?

Tales de Azevedo disse...

Ouvi falar desse filme em meio ao "auê" do Oscar, e em primeiro momento o mesmo me pareceu bem interessante. Lendo agora a sua sinopse ele me parece muito mais! Acredite, mais um que vai entrar para a lista dos pendentes de serem assistidos ;D